247-Só um país à beira da irracionalidade completa pode encarar com
naturalidade que um ex-presidente possa ser criminalizado por hastear a
bandeira dos interesses nacionais fora do País; Luiz Inácio Lula da
Silva, que preferiu defender empresas e empregos brasileiros após deixar
o poder, está sendo acusado por um procurador federal de praticar
"tráfico de influência internacional"; ou seja: na lógica arbitrária do
MP, Lula cometeu o gravíssimo delito de defender que empresas
brasileiras vencessem concorrências internacionais em países como Cuba,
onde a Odebrecht fez o Porto de Mariel, e República Dominicana; ação
contra Lula ganha páginas de jornais como o Financial Times, pouco tempo
depois de a Foreign Affairs, bíblia da geopolítica internacional, ter
exaltado o avanço do Brasil no mundo na era Lula; este legado, no
entanto, pode ser destruído pelo ódio político, pelo arbítrio e por
interesses internacionais que movimentam a desestabilização do País.
No primeiro dia de janeiro de 2011,
quando transmitiu a faixa presidencial à sucessora Dilma Rousseff, o
ex-presidente Lula poderia ter tomado uma decisão parecida com a de
vários brasileiros que julgam já ter cumprido sua missão na Terra:
pendurar as chuteiras, aposentar-se e curtir a vida. Naquele momento,
Lula era chamado por publicações internacionais, como a revista alemã
Der Spiegel, de o "o político mais popular na face da Terra". O
economista Jim O'Neill, que criou a expressão BRICs, o qualificou como o
mais importante líder dos últimos 50 anos no mundo, por ter sido capaz
de comandar um gigantesco processo de inclusão social, dentro de uma
complexa democracia.
Lula, no entanto, decidiu continuar
trabalhando. Criou seu instituto, assim como fizera seu antecessor
Fernando Henrique Cardoso, e passou a rodar o mundo como um embaixador
informal do Brasil, de suas empresas e de seus empregos. Os focos
prioritários foram a África e a América Latina, regiões nas quais, por
afinidades históricas e culturais, o Brasil poderia ampliar sua
influência, abrindo oportunidades para empresas nacionais e, ao mesmo
tempo, reforçando a presença do País no jogo internacional. Deu certo.
Tanto que, em sua mais recente edição, a revista norte-americana Foreign
Affairs, tida como a bíblia da geopolítica global, destacou o avanço do
Brasil como ator global nessas regiões (leia mais aqui).
Fosse o Brasil um país maduro e
cioso de seu papel no mundo, Lula seria tratado como um dos seus grandes
ativos. Um líder capaz de inspirar, angariar simpatias e conquistar
apoios para os legítimos interesses comerciais das empresas nacionais e,
também, para as aspirações diplomáticas do País. No entanto, o ódio
político, a disputa pelo poder e interesses internacionais daqueles que
preferem ver o Brasil numa posição subalterna o elegeram como o alvo a
ser abatido.
Foi assim que Lula foi transformado
pela revista Época, dos irmãos Marinho, no "operador", no "lobista" de
grandes empreiteiras. A partir de uma reportagem publicada também no
jornal O Globo, sobre uma viagem de Lula à América Central, teve início o
processo que culminou, nesta quinta-feira, com a abertura de um
inquérito criminal contra o ex-presidente Lula. A acusação: tráfico de
influência internacional. Ou seja: Lula é acusado de usar sua influência
em outros países em favor de empresas brasileiras. Na lógica do setor
do Ministério Público que patrocinou a ação, melhor seria, decerto, que
as concorrências para grandes obras na África e na América Latina fossem
vencidas por empresas chinesas, norte-americanas ou espanholas, que
também disputam esses mercados com empresas nacionais. Também segundo o
MP, haveria tráfico de influência porque Lula abriria portas no BNDES,
como se isso fosse necessário – programas de financiamento à exportação
de serviços existem há décadas e beneficiam todas as empresas
brasileiras que conquistam obras internacionais.
O inquérito contra Lula, no entanto,
já está nas páginas de publicações internacionais, como o Financial
Times e o The Wall Street Journal. Denúncias contra empreiteiras
brasileiras também vêm sendo usadas por concorrentes internacionais para
inviabilizar a presença das construtoras nacionais em vários mercados. O
grupo Globo, que tem liderado a caçada a Lula, já defendeu, em seus
editoriais, que empreiteiras nacionais sejam substituídas por empresas
de fora até mesmo no mercado interno. Afinal, de acordo com a lógica dos
Marinho, Lula é o criminoso a ser abatido, nem que o custo seja a
destruição de algumas das maiores empresas brasileiras.
Diante de tamanha irracionalidade, o
melhor remédio seria fazer do ex-presidente ministro das Relações
Exteriores. Só assim, protegido da insanidade política, ele poderia
continuar trabalhando em defesa de interesses nacionais, como fez nos
anos em que esteve fora do poder.
* Leonardo Attuch é editor do 247
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