Ela se chama "Marília" e foi aberta no Leumi
Private Bank, em Genebra; por ela transitaram cerca de R$ 64 milhões das
propinas que azeitaram os negócios da Siemens e da Alstom no Brasil; a
conta foi também movimentada por homens da cozinha dos governos de Mario
Covas, em São Paulo, e até do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso;
documentos já estão em poder do Ministério da Justiça e parte dos
recursos foi bloqueada por autoridades suíças; e agora: será que tucanos
serão denunciados pelo Ministério Público?
247 - Uma conta
bancária na Suíça, conhecida como "Marília", foi usada para movimentar
as propinas que azeitaram os negócios da Siemens e da Alstom com
governos do PSDB, em São Paulo. Por ela, transitaram cerca de R$ 64
milhões em propinas e os recursos foram gerenciados por homens da
cozinha dos governos de Mario Covas, em São Paulo, e até do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Este é o tema de uma reportagem
bombástica da revista Istoé, que acaba de chegar às bancas. Até agora, o
procurador Rodrigo de Grandis reluta em denunciar tucanos indiciados
pela Polícia Federal (leia aqui). Será que vai manter a conduta?
Leia abaixo a reportagem de Istoé:
A conta secreta do propinoduto
Documentos vindos da Suíça
revelam que conta conhecida como "Marília", aberta no Multi Commercial
Bank, em Genebra, movimentou somas milionárias para subornar homens
públicos e conseguir vantagens para as empresas Siemens e Alstom nos
governos do PSDB paulista
Claudio Dantas Sequeira e Pedro Marcondes de Moura
Na edição da semana passada, ISTOÉ
revelou quem eram as autoridades e os servidores públicos que
participaram do esquema de cartel do Metrô em São Paulo, distribuíram a
propina e desviaram recursos para campanhas tucanas, como operavam e
quais eram suas relações com os políticos do PSDB paulista.
Agora, com base numa pilha de
documentos que o Ministério da Justiça recebeu das autoridades suíças
com informações financeiras e quebras de sigilo bancário, já é possível
saber detalhes do que os investigadores avaliam ser uma das principais
contas usadas para abastecer o propinoduto tucano. De acordo com a
documentação obtida com exclusividade por ISTOÉ, a até agora
desconhecida “conta Marília”, aberta no Multi Commercial Bank, hoje
Leumi Private Bank AG, sob o número 18.626, movimentou apenas entre 1998
e 2002 mais de 20 milhões de euros, o equivalente a R$ 64 milhões. O
dinheiro é originário de um complexo circuito financeiro que envolve
offshores, gestores de investimento e lobistas.
Uma análise preliminar da
movimentação da “conta Marília” indica que Alstom e Siemens partilharam
do mesmo esquema de suborno para conseguir contratos bilionários com
sucessivos governos tucanos em São Paulo. Segundo fontes do Ministério
Público, entre os beneficiários do dinheiro da conta secreta está Robson
Marinho, o conselheiro do Tribunal de Contas que foi homem da estrita
confiança e coordenador de campanha do ex-governador tucano Mário Covas.
Da “Marília” também saíram recursos para contas das empresas de Arthur
Teixeira e José Geraldo Villas Boas, lobistas que serviam de
intermediários para a propina paga aos tucanos pelas multinacionais
francesa e alemã.
O lobista Arthur Teixeira
personifica o elo entre os esquemas Alstom e Siemens. Como ISTOÉ já
revelou numa série de reportagens recentes, com base nas investigações
em curso, Teixeira e seu irmão Sérgio (já falecido) foram responsáveis
por abrir as empresas Procint e Constech, além das offshores Leraway
Consulting e Gantown Consulting, no Uruguai, com o único objetivo de
servir de ponte ao pagamento de comissões a servidores públicos e a
políticos do PSDB. Teixeira tinha acesso privilegiado ao secretário de
Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, e ao diretor de Operação
e Manutenção da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), José
Luiz Lavorente, o encarregado da distribuição em mãos da propina.
Até 2003 conhecido como Multi
Commercial Bank, depois Safdié e, a partir de 2012, Leumi Private Bank
AG, a instituição bancária tem um histórico de parcerias com governos
tucanos. Em investigações anteriores, o MP já havia descoberto uma outra
conta bancária nesse banco em nome de Villas Boas e de Jorge Fagali
Neto, ex-secretário de Transportes Metropolitanos de SP (1994, gestão de
Luiz Antônio Fleury Filho) e ex-diretor dos Correios (1997) e de
projetos de ensino superior do Ministério da Educação (2000 a 2003) na
gestão Fernando Henrique Cardoso. Apesar de estar fora da administração
paulista numa das épocas do pagamento de propina, Fagali manteria,
segundo a Polícia Federal, ascendência e contatos no governo paulista.
Por isso, foi indiciado pela PF sob acusação de formação de quadrilha,
lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Fagali Neto também é irmão de
José Jorge Fagali, que presidiu o Metrô na gestão de José Serra. José
Jorge é acusado pelo MP e pelo Tribunal de Contas Estadual de fraudar
licitações e assinar contratos superfaturados à frente do Metrô.
Para os investigadores, a “conta Marília” era usada para gerenciar recursos
de outras contas destinadas a abastecer empresas e fundações de fachada
Para os investigadores, a “conta
Marília” funcionaria como uma espécie de “conta master”, usada para
gerenciar recursos de outras que, por sua vez, abasteceram empresas e
fundações de fachada, como Hexagon Technical Company, Woler Consultants,
Andros Management, Janus, Taltos, Splendore Associados, além da já
conhecida MCA Uruguay e das fundações Lenobrig, Nilton e Andros. O MP
chegou a pedir, sem sucesso, às autoridades suíças e francesas o arresto
de bens e o bloqueio das contas das pessoas físicas e jurídicas
citadas. Os pedidos de bloqueio foram reiterados pelo DRCI, mas não
foram atendidos. Os investigados recorreram ao STJ para evitar ações
similares no Brasil.
O MP já havia revelado a existência
das contas Orange (Laranja) Internacional, operada pelo MTB Bank de Nova
York, e Kisser (Beijoqueiro) Investment, no banco Audi de Luxemburgo.
Ou seja, “Marília” é mais um nome próprio no dicionário da corrupção
tucana. Sabe-se ainda que o cartel operado pelas empresas Siemens e
Alstom, em companhia de empreiteiras e consultorias, usava e-mails
cifrados (leia quadro).
RELAÇÃO COM FHC
Um dos beneficiários da propina oriunda da Suíça, Geraldo Villas Boas
mantinha uma conta conjunta com Jorge Fagali Neto, ex-diretor de projetos do
Ministério da Educação (2000 a 2003) na gestão de Fernando Henrique Cardoso
Os novos dados obtidos pelo
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI)
do Ministério da Justiça dão combustível para o aprofundamento das
investigações no Brasil. Além do processo administrativo aberto pelo
Cade sobre denúncia de formação de cartel nas licitações de São Paulo e
do Distrito Federal, outras duas ações sigilosas, uma na 6ª Vara Federal
Criminal e outra na 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, apuram
crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e improbidade
administrativa. Além de altos funcionários do Metrô, como os já citados
Lavorente e Fagali, as investigações apuram a participação do
ex-secretário de Energia e vereador Andrea Matarazzo, em razão de
contratos celebrados entre a Companhia de Energia de São Paulo (CESPE) e
a Empresa Paulista de Transmissão de Energia Elétrica S.A. (EPTE).
Na documentação encaminhada pelo
DRCI ao MP de São Paulo, a pedido do promotor Silvio Marques, também
constam novos dados bancários de vários executivos franceses, alemães e
brasileiros que tiveram algum tipo de participação no esquema de
propinas. São eles os franceses Michel Louis Mignot, Yves Barbier de La
Serre, André Raymond Louis Botto, Patrick Ernest Morancy, Jean Pierre
Antoine Courtadon e Jean Marcel Jackie Lannelongue e os brasileiros José
Amaro Pinto Ramos, Sabino Indelicato e Luci Lopes Indelicato, além do
alemão Oskar Holenwger, que operou em toda a América Latina. Na
Venezuela, Holenwger é citado junto a Mignot, La Serre, Morancy e Botto
em investigação sobre lavagem de dinheiro, apropriação indébita
qualificada, falsificação de documentos e suposta corrupção de
funcionários públicos do setor de energia.
O apoio das autoridades de França e
Suíça às investigações brasileiras não tem sido tão fácil, e a
cooperação é mais recente do que se pensava. O Ministério da Justiça
chegou a pedir o compartilhamento de informações ainda em 2008 – auge da
investigação da Siemens e da Alstom. Mas não foi atendido. Os franceses
lembraram que, nos termos do acordo bilateral, a cooperação só pode se
desenrolar por via judicial. Dessa forma, foi necessário notificar o
Ministério Público Federal para que oficiasse junto à 6ª Vara Criminal
Federal e à 13ª Vara da Fazenda Pública. O compartilhamento só foi
efetivado em dezembro de 2010.
A Suíça, ainda em março de 2010,
solicitou a cooperação brasileira na apuração das denúncias lá, uma vez
que parte do dinheiro envolvido nas transações criminosas teria sido
depositada em bancos suíços. Os primeiros dados, relativos à empresa MCA
e ao Banco Audi de Luxemburgo, chegaram ao Brasil em julho de 2011.
Foram solicitadas ainda oitivas com determinadas testemunhas, o que foi
encaminhado ao MPF em São Paulo e à Procuradoria Geral da República
(PGR). Paralelamente, a Polícia Federal abriu o inquérito nº
0006881-06.2010.403.6181, mas só no último dia 25 de julho o procurador
suíço enviou às autoridades os dados bancários solicitados, por meio de
uma decisão denominada “conclusive decrees”, proferida em 14 e 24 de
junho. Foi com base nisso que a Suíça já bloqueou cerca de 7,5 milhões
de euros que estavam na conta conjunta de Fagali e Villas Boas, no
Safdié. Tratou-se de uma decisão unilateral suíça e a cifra não é
oficial – foi fornecida ao Ministério da Justiça por fonte informal. A
Suíça só permite o uso dos dados enviados em procedimentos criminais.