Diante do espetáculo midiático em que se
transformou o julgamento da chamada Ação Penal 470, apelida pelo bufão
dos programas policialescos da TV, Roberto Jefferson, de “mensalão”,
vem-me à mente o episódio da famosa carta-artigo de Émile Zola quando do
chamado “Caso Dreyfus” que mobilizou a sociedade francesa em 1898. Um
caso que tinha por tema a defesa de um inocente condenado por erro
judicial com base em relatórios “mentirosos e fraudulentos” que
inocentaram um culpado e puniram um inocente.
“Meu dever é de falar, não
quero ser cúmplice. Minhas noites seriam atormentadas pelo espectro do
inocente que paga, na mais horrível das torturas, por um crime que ele
não cometeu.”
Émile Zola
O Brasil assiste
estarrecido ao Supremo Tribunal Federal - a mais alta corte do que seria
a Justiça no sistema tripartite do Poder da União - se curvar à mídia
partidarizada e, por chicanas típicas do mundo jurídico, levar ao banco
dos réus um partido político, seu ideário e sua história, no mais triste
episódio visto no país após a obscuridade dos anos de chumbo da
ditadura. Um tempo quando o mesmo Supremo, de cócoras, se curvou aos
poderosos de galões e armas e escreveu outro dos momentos deploráveis da
vida nacional.
Não o acuso pelo julgamento de culpados que
por sua ambição se apropriaram de valores e bens públicos ou privados e
por tanta vileza cadeia merecem. O acuso pela distorção de princípios
fundamentais no resguardo aos direitos individuais tutelados pela
Constituição que o Tribunal máximo se obriga a guardar e defender.
Acuso a negra toga da intolerância que, por
ineditismo e oportunismo eleitoral, muda preceito basilar da garantia do
cidadão e introduzir, , em julgamento que envolve a dignidade e a
liberdade o fascista conceito de culpabilidade pelo “domínio do fato”
sobrepondo tão estranha tese à clareza da prova direta e da contra-prova
devida.
Acuso eminências e seus pares de afrontar o
sagrado direito do voto do cidadão ao marcar julgamento e dimensioná-lo,
por fatiamento e delongas, para levá-lo em milimétrica dosagem temporal
a véspera de uma eleição quando a Nação se debruça sobre tantos “digo
eu” e mútuos rapapés.
É a simulação em evocações de ocasião de prévia
condenação de toda uma agremiação partidária e seu governo, com a
aceitação por aquele que seria o julgador acima das partes, da plena voz
da acusação da parte que condena. E disso, com sofreguidão, fazer o “é
como voto” a sentença final de quem não tem sequer direito a duplo grau
de jurisdição na avaliação daquilo que se lhe imputa.
Acuso o claro viés sócio-partidário, pela
sofreguidão em dar a um governo eleito e eleito e avaliado pela
esmagadora maioria da Nação o carimbo da corrupção ajeitada pela
“historinha de ocasião e pouco jurídica” contada a cada fato, sem liames
de causa e efeito, apenas para se dar a um julgamento a força de tirar
do povo a livre expressão de sua vontade trazendo a dura nódoa lançada
sobre todo um partido e um governo.
Acuso, por ver de volta suas excelências à
postura de cócoras diante do onipotente quarto poder – a mídia em que
vozes, desejos e interesses de seus ricos e bem postos barões que não
admitem que um povo humilde ascenda aos degraus mais altos do extrato
social e lhe façam sombra aos desmandos que por mais de quatro séculos
nos deram a exploração desabrida das elites sobre os desvalidos e
desassistidos, mera massa de manobra e uso e fruto para seu
enriquecimento.
Acuso suas excelências de deixarem de lado o
ideal de Justiça e erigirem por primado de julgador a dúbia
interpretação da Lei como forma de punir quem um dia se arrogou o
direito de buscar vida melhor e mais digna pelo exercício pleno de sua
soberania e garantias da Constituição. Uma norma máxima agora afrontada e
estuprada sob as luzes dos holofotes que iluminam a busca sôfrega da
notoriedade e do sucesso fácil.
Acuso a deplorável subserviência aos
poderosos de plantão em seus jornais e emissoras, seus partidos de elite
e vastos bens e rendas que no desvario por manter seus privilégios
coopta até mesmo aqueles que por nascimento berço sofreram as agruras do
preconceito e da carência, para agora se tornaram verdugos dignos da
mais dura Inquisição travestida em votos com duvidosos e questionáveis
fundamentos.
Envergonho-me de assistir ao mais degradante
e hipócrita dos julgamentos por ser aquele que fatia condutas e
seleciona crimes iguais dando ao mais antigo tratamento benéfico do
aguardo da prescrição em detrimento do mais recente, julgado
sofregamente para que se atendam a interesses subalternos. E tudo para
se dar um golpe travestido de força judiciária em clara afronta aos mais
sagrados ideais de Justiça, equidade, independência e isenção.
Acuso, por fim o Supremo Tribunal Federal de
se transformar em uma casa da Justiça onde a venda que cobre os olhos
da deusa Themis faz letra morta a conquista de um dos mais sagrados
direitos do homem: o de ser julgado por juiz imparcial, isento, livre
de pressões e injunções e pleno a certeza de que inocentes serão livres e
culpados condenados.
E, por fim, os acuso, aos não tão nobres Ministros,
da inversão conveniente do ônus da prova para que se propague em
páginas de jornais e redes sociais a imagem de juristas transformados em
“heróis” da tirania de ocasião com a mais recente e perigosa forma de
fascismo ditatorial. Uma forma de tirania já provada em golpes de Estado
em plagas vizinhas, desferidos sob o manto das negras togas que
escondem mesquinhas ambições.
Carlos Alberto Lemes de Andrade
Jornalista e bacharel em direito
FONTE: BLOG DE LUIS NASSIF