Texto de Weiller Diniz publicado no Blog de Magno Martins
O encadeamento das imoralidades na comédia trágica “Feios, sujos e malvados”, evisceradas pelo diretor Ettore Scola, fez sucesso nos anos 70/80. A trama transcorre em um ambiente de extrema degradação, esgarçamento pelo desemprego, exclusão social, violência, racismo, sexismo e machismo. A animalização dos seres humanos, brutalizados pelo instinto, permeia toda a narrativa e choca nas cenas de crianças enjauladas.
O roteiro, atemporal, inclui metáforas cortantes sobre ilegalidades, abusos, ameaças como estratégia para intimidação e controle e injustiças. O enredo e a origem servem para iluminar o lado escuro da operação lava jato, que copiou os métodos e erros das “mãos limpas”, mesmo berço italiano de Scola. As mãos sujas da lava jato mancham o noticiário, a Justiça e os conselhos (CNJ e CNMP) há mais de 1 ano. Há algo de feio, sujo, malvado e transgressor a ser exumado, higienizado.
As nódoas recentes apontam para reincidência de bisbilhotices camufladas contra detentores de foro (Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre), dobradinhas clandestinas com órgãos de inteligência dos EUA e uma grampolândia. Encastelada em Curitiba, a força tarefa reagiu refratariamente à auditoria disparada pela Procuradoria Geral da República. Uma decisão do STF enquadrou a rebeldia e os dados serão compartilhados. Os vazamentos instantâneos contra Dias Toffoli não procuraram disfarçar a vindita. Elucidam, ainda, possíveis chantagens de outrora. As manchas impuras são anteriores a Augusto Aras.
Assim como investigados, integrantes da lava jato devem explicações. Não são inimputáveis. A operação não comporta suspeições. A delação de Tacla Duran, terror do ex-Juiz Sérgio Moro, foi retomada. A blindagem de alguns políticos, os documentos de escritórios de advocacia e agências internacionais carecem de explicação. A aquisição de equipamento para grampos também, bem como propinas ao procurador Januário Paulo, citadas pelo doleiro Dário Messer. A desconfiança do uso da operação para fins políticos deve ser esclarecida. Por muito menos, muita gente teve a prisão preventiva decretada.
Os êxitos da operação não dissipam as arbitrariedades. Malfeitores de toda ordem foram condenados e uma nova cultura de respeito ao dinheiro público foi ensaiada. Porém, a serpente chocava um ovo – um projeto de poder – gestado por agentes públicos com métodos ilegais e clandestinos. A lava jato sempre reivindicou uma sacralidade, além das instituições. Um poder acima dos demais, integrado pelos intocáveis dos outdoors cinematográficos. O bordão “ninguém está acima da lei” era um mantra. Os críticos eram proscritos e, inapelavelmente, desterrados no oitavo círculo do inferno dantesco.
A desinterdição só aconteceu após as avarias provocadas pelo site “The Intercept”. O conteúdo, um logo passeio pelo Código Penal, foi refutado, relativizado ou questionado. Todos os citados nos diálogos confirmaram a autenticidade sobre suas menções, menos os integrantes da lava jato, incluindo o ex-Juiz. A partir da erosão da credibilidade, a operação amargou uma série de derrotas no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Foram mais de 30 reveses emblemáticos.
As derrotas mais duras evitaram constrições e constrangimentos contra os poderes. A perda da gerência sobre R$ 2,5 bi de recursos públicos da Petrobrás; derrota no COAF; aprovação da lei de abuso de autoridade; várias sentenças reformadas; nomeação do atual PGR, 3 tentativas frustradas de instaurar CPI contra STF, revisão da prisão após 2 instância e a cassação da “Moro de saias”, Selma Arruda, ex-juíza e senadora, flagrada em Caixa 2 e abuso do poder econômico, são os casos mais simbólicos dos exotismos travados.
Teórico e pauteiro da Lava Jato era Sérgio Moro. Ele sugeria inversão de fases, escalava procuradores, ditava ao MP notas para desacreditar o “showzinho” da defesa, blindava políticos de sua preferência e indicava fontes para encorpar a acusação. Na toga de verdugo, vazou criminosamente o áudio da Presidente, grampeou advogados e suspendeu o sigilo da delação de Antônio Palocci em plena eleição, além agir para evitar a soltura de Lula. Moro fundiu as figuras do acusador e juiz, corrompendo ambos. Desequilibrou a balança da justiça misturando militância política e a meliância jurídica.
Absolutista como Luis XIV, operou a prevalência das pessoas sobre as leis, e não o contrário.
O que Moro escreve, faz e pensa é fascismo. No libelo em defesa das “mãos limpas”, Moro redigiu, depois aplicou, um vade-mecum da transgressão inspirado em uma delirante legitimidade obtida diretamente da opinião pública. Defendeu o uso sistemático da publicidade opressiva, os vazamentos como “peneira”, a relativização da presunção da inocência e a deslegitimação da classe política. Abusou da prisão preventiva prolongada para forçar delações e das conduções coercitivas para aterrorizar investigados. Adestramentos que o MP seguiu até ter o troféu, que tinha foro em SP. A parcialidade no caso Lula será julgada no 2 semestre. Moro subtraiu o maior ativo da Justiça, a verdade. Fraudou a história, não apenas uma eleição.
Apesar dos fracassos e violações, Moro preserva a reputação em alguns segmentos políticos e parte da mídia, onde embala o sonho presidencial. No cargo de ministro foi anão. Emudeceu perante o caso do assassinato de Marielle Franco e fez vista grossas para a corrupção que dizia combater. “Desculpou” o caixa 2 confessado pelo ministro Onyx Lorenzoni, silenciou no laranjal do PSL, nos escândalos das ‘rachadinhas’ envolvendo filhos do presidente e a promiscuidade do clã Bolsonaro com milícias. A inclemência de outrora e a leniência recente o transformou em demônio da conveniência por apego ao cargo.
O magistrado foi mastigado. Depois de repelido por Bolsonaro, pouco lisonjeiro para o currículo e a vaidade, tenta refazer a trilha do filho pródigo. Alvos congelados da lava jato foram ressuscitados e Moro busca a reconciliação com os lavajatistas, alguns críticos da opção política do ex-Juiz. Deltan Dallagnol disse que a devassa na lava jato serve para minar o projeto político de Moro em 2022. A credibilidade caiu, o pacto com mídia está parcialmente abalado e ninguém sabe o que a caixa preta de Curitiba revelará.
O percurso até 2022 é longo e acidentado. Moro, agora, renega a necrópole que ajudou a fundar e finge ser oposição a quem foi servil por 15 meses no MJ. Ao entrar na mira da PGR, pressente o desconforto de ser imolado pelo arsenal que já operou. Por isso, clama pelo Estado de Direito e paridade de armas, garantias que desprezou. Moro não é vítima. É Giacinto Mazzatella, patriarca da prole e protagonista de “Feios, sujos e malvados”. Os agravantes: Atuou deliberadamente para transgredir a lei – camuflado na toga – e se amasiou com Bolsonaro.