247 – A Constituição Federal prevê que o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) não tem competência para decidir sobre eventual
cassação do mandato de um presidente da República, sustenta Dalmo de
Abreu Dallari, um dos maiores juristas do País.
Seu posicionamento consta em parecer jurídico elaborado a pedido do
advogado Flávio Crocce Caetano, responsável pela defesa da chapa da
presidente Dilma Rousseff e do vice, Michel Temer, na candidatura de
2014.
O TSE reabriu ontem ação apresentada pelo PSDB que pede a impugnação
da chapa de Dilma e Temer por suspeita de recebimento de recursos
provenientes de corrupção durante a campanha. O tribunal decidiu dar
sequência à investigação.
Conforme aponta Dallari, o artigo 85 da Constituição "dispõe,
especificamente, sobre as hipóteses de cassação do mandato do Presidente
da República e ali não se dá competência ao Tribunal Superior Eleitoral
para decidir sobre a cassação".
Em outro ponto do documento, o jurista ressalta, com base no artigo
86, parágrafo 4º, da Constituição, que um presidente não pode ser
responsabilizado por fatos ocorridos em outros mandatos, ou seja, não se
aplicam atos "que não tenham sido praticados no exercício do mandato
corrente".
Dallari aponta ainda que, para haver a cassação do mandato de um
presidente da República, é preciso configurar um ato concreto para
enquadramento em crime de responsabilidade. Eventuais omissões, segundo
ele, não são suficientes para configuração de crime e, portanto, dar
sustentação constitucional à abertura de um processo de impeachment.
Leia abaixo a íntegra do parecer do jurista:
Opinião Jurídica
Tendo em conta a pretensão de proposição do "impeachment" da
Presidente Dilma Rousseff, manifestada por vários militantes políticos,
apoiando-se, em alguns casos, em pareceres de juristas, foram-me
dirigidas perguntas relativas ao tema, que passo a responder.
Desde logo, entretanto, ressalto que a matéria é expressamente
normatizada no texto da Constituição brasileira vigente, que, conforme o
ensinamento do eminente mestre José Joaquim Canotilho, é "norma
superior e vinculante", condicionando todas as intepretações e
aplicações dos preceitos jurídicos brasileiros.
1 – Em primeiro lugar, quanto à responsabilidade, pergunta-se qual o
alcance do artigo 86, parágrafo 4o, da Constituição Federal. Indaga-se,
especificamente, se para fins de eventual responsabilização por
impedimento, em hipótese, se reeleição presidencial, pode-se cogitar de
continuidade de mandato ou são mandatos autônomos. Em síntese, a
indagação é se pode haver responsabilização no segundo mandato por
conduta eventualmente ocorrida em mandato anterior.
O artigo 86, parágrafo 4o, da Constituição, tem redação muito clara
quando dispõe: "o Presidente da República, na vigência de seu mandato,
não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas
funções". Aí está mais do óbvio que a intenção do legislador
constituinte foi excluir a hipótese de responsabilização do Presidente
por atos que não tenham sido praticados no exercício do mandato
corrente, ou seja, na vigência do mandato que esteja exercendo. Assim,
pois, a eventual circunstância de o Presidente já ter exercido mandato
anterior não tem qualquer relevância para a correta aplicação do
preceito do parágrafo 4o. O que importa, exclusivamente, é que o ato
questionado tenha sido praticado durante a vigência do mandato corrente,
ou seja, como estabelece a Constituição, durante a vigência de seu
mandato. Se a mesma pessoa tiver exercido mandato anteriormente trata-se
de outro Presidente e outro mandato e não do mandato vigente.
Em conclusão, não pode haver responsabilização no segundo mandato por conduta eventualmente ocorrida em mandato anterior.
2 – Pergunta-se em seguida se, tendo em conta o disposto no artigo
86, "caput", da Constituição, poder-se-ia admitir que o plenário da
Câmara dos Deputados, por maioria simples, acolhe-se recurso contra a
decisão de arquivamento de denúncia, do Presidente da Casa. Indaga-se,
também, se no caso de acusação da prática de eventual crime de
responsabilidade o Presidente da República poderá responder tanto por
conduta comissiva quanto omissiva e se o Presidente pode ser
responsabilizado apenas por modalidade dolosa ou também por culposa.
Em primeiro lugar, quanto à possibilidade de decisão por maioria
simples da Câmara dos Deputados contrário ao arquivamento da denúncia a
resposta é que, nos termos expressos do referido artigo 86, "caput", as
decisões admitindo a acusação devem ser adotadas por dos terços dos
membros da Câmara, devendo, portanto, ser exigido o mesmo quorum
qualificado para eventual recurso contra o arquivamento.
O segundo ponto é referente à possibilidade de responsabilização do
Presidente da República por modalidade culposa. Isso foi suscitado
porque houve quem emitisse parecer afirmando que a omissão do Presidente
também daria base para o enquadramento por crime de responsabilidade.
Para responder a esse ponto basta a leitura atenta e desapaixonada do
artigo 84 da Constituição, no qual está expresso e claro que são crimes
"os atos" do Presidente. Assim, para que se caracterize o crime é
indispensável a intenção, a prática de um ato que configure um crime.
Não havendo esse ato, essa intenção expressamente manifestada, não se
caracteriza o crime.
3 – Por último, pergunta-se se o Presidente da República e seu
Vice-Presidente podem ter o mandato cassado por decisão do Tribunal
Superior Eleitoral em ação de impugnação de mandato eletivo, ao arrepio
dos artigos 85 e seguintes da Constituição.
Na realidade, a pergunta já contém a resposta, pois o artigo 85 da
Constituição dispõe, especificamente, sobre as hipóteses de cassação do
mandato do Presidente da República e ali não se dá competência ao
Tribunal Superior Eleitoral para decidir sobre a cassação. Além disso, é
oportuno lembrar, ainda, o disposto no parágrafo 4º do artigo 86 da
Constituição, que é absolutamente claro quando dispõe que "O Presidente
da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado
por atos estranhos ao exercício de suas funções".
Em complemento a isso, indaga-se também se a ação de investigação
judicial eleitoral e a representação prevista no artigo 30-A da Lei nº
9504/97 podem ensejar a cassação dos mandatos do Presidente e do
Vice-Presidente da República. A resposta, sem a mínima dúvida, é não. E
para eliminar qualquer tentativa de simulação de fundamentação jurídica
basta reproduzir aqui o que dispõe expressamente o artigo 14, parágrafo
10º, da Constituição: "O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a
Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação ,
instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou
fraude".
São essas, portanto, as respostas às questões formuladas, que tomaram
por base, sobretudo, o que dispõe a Constituição, "norma superior e
vinculante", e que se orientaram por critérios essencialmente jurídicos.
Esse é o meu parecer.
São Paulo, 28 de setembro de 2015
Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari
Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Advogado – OAB/SP 12.589