Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Foi apresentado pelo deputado pernambucano Eduardo da Fonte (presidente
da Comissão de Minas e Energia), no dia 26 de setembro último, na Câmara
dos Deputados, Projeto de Lei nº 6.441 que propõe “criar no âmbito do Comitê de Monitoramento do Setor
Elétrico (CMSE), o Conselho de Empreendimentos Energéticos Estratégicos (CNEE),
destinado a analisar, avocar e decidir, em
última e definitiva instância, o licenciamento dos empreendimentos do setor
elétrico considerados estratégicos para o Brasil”.
Se
não bastasse Pernambuco contar com um governo que não dá a mínima pelo meio
ambiente, outra singular personalidade deste Estado quer sepultar de vez as
preocupações multidisciplares e reduzir de vez a interesses paroquiais, o
processo de licenciamento ambiental, uma exigência legal (Lei 6.938/81,
Resoluções do CONAMA: 001/86 e 237/97, e Lei Complementar 140/11) a que estão
sujeitos todos os empreendimentos ou atividades que empregam recursos naturais
ou que possam causar algum tipo de poluição ou degradação ao meio ambiente.
O
licenciamento ambiental é um procedimento administrativo pelo qual é autorizada
a localização, instalação, ampliação e operação destes empreendimentos e/ou
atividades. O PL em questão visa retirar do IBAMA o poder de ser o órgão
licenciador de empreendimentos energéticos considerados estratégicos, primeiramente,
para o país, não necessariamente para o governo. Hoje, essa função cabe aos
órgãos ambientais estaduais ou ao IBAMA, no caso de empreendimentos de grande
porte, capazes de afetar mais de um estado, o que costuma ser a regra no setor
de energia. Além dos órgãos licenciadores, há os órgãos auxiliares, como as
autarquias que cuidam de áreas protegidas e precisam dar um parecer sobre a
obra, caso ela afete sua área de atuação. Se uma hidrelétrica atinge uma terra
indígena, por exemplo, a FUNAI participa do processo de licenciamento.
Com
o novo projeto de lei, o IBAMA e os órgãos auxiliares seriam ouvidos, porém a
palavra final ficaria com o novo e poderoso conselho, composto por um
representante da Câmara dos Deputados e um representante do Senado Federal; e pelos
ministros da Casa Civil da Presidência da República, das Minas e Energia, da
Justiça, do Meio Ambiente e da Cultura. Enfim, uma proposta contrária aos
interesses nacionais – um grande equivoco, que amplia a ação da “mão pesada do
Estado” sobre assunto de elevado conteúdo polêmico e com vasta legislação em
vigor, que não está sendo cumprida adequadamente.
A justificativa do
nobre deputado é simplória e demonstra uma óbvia falta de conhecimento da
realidade complexa que envolve tais empreendimentos. No PL encaminhado, a
justificativa é que “o Brasil precisa crescer e se desenvolver para permitir o
resgate de nossa imensa dívida social. Para isso, nosso povo precisa de energia
elétrica barata”. Ainda afirma que existem entraves e indefinições no processo
de licenciamento de empreendimentos elétricos, e que há “demora injustificada,
exigências burocráticas excessivas, decisões pouco fundamentadas”. Quantos
disparates num só parágrafo!
A
iniciativa do deputado da Fonte vem se somar ao Projeto de Lei de iniciativa da
Comissão de Assuntos Econômicos, que tramita no Senado Federal, o PLS nº
179/2009, que disciplina o licenciamento ambiental de aproveitamentos de
potenciais hidráulicos considerados estratégicos, e institui a Criação de
Reservas Energéticas Nacionais.
Como descreve o
prof. Célio Bermann, da Universidade de São Paulo, “este processo de
criminalização dos movimentos sociais e de redução dos espaços de resistência
vem sendo acompanhado de uma sucessão de tentativas de modificação do
licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos”.
Estas tentativas e
intenções de mudanças e de simplificação do licenciamento ambiental já correram
em outros momentos recentes de nossa historia, e acabaram não tendo
continuidade. Em janeiro de 2007, o diretor geral da ANEEL anunciou um Projeto
de Lei para a criação de Reservas para a Exploração de Potenciais
Hidroelétricos, que seriam áreas demarcadas pelo governo, sem considerar as
restrições de ordem ambiental. Em seguida, em março de 2007, outro Projeto de
Lei foi anunciado com o objetivo de identificação de projetos de centrais
hidroelétricas estratégicas que seriam avaliadas por um Conselho de Segurança
Nacional (de triste lembrança para os brasileiros), sem passar pelo órgão
ambiental federal, o IBAMA. Em dezembro de 2008, mais outro Projeto de
Lei, agora proposto pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, procurava
instituir um procedimento “reduzido” de licenciamento ambiental para obras de infraestrutura
definidas como estratégicas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na
Amazônia Legal, que teriam um prazo (reduzido a quatro meses) diferenciado
daquele estabelecido no art. 14 da Resolução CONAMA nº 237/1997.
Como
observa o prof. Bermann “muitos dos empreendimentos sujeitos ao licenciamento
ambiental devem a demora do seu licenciamento, ao não atendimento dos prazos
pelo próprio empreendedor. Ainda, um número significativo de obras encontra-se
paralisado, não por dificuldades de obtenção do licenciamento ambiental, mas
por problemas de insuficiência de recursos financeiros para as obras”.
Estas
três tentativas anteriores de modificação do licenciamento ambiental revelam
como a questão ambiental tem sido menosprezada pelas autoridades, desnudando completamente
a contradição entre o discurso com preocupações sociais e ambientais, e a
prática na contramão dos interesses das populações.
Novamente
o governo Federal volta à carga, tanto no Senado Federal como na Câmara dos
Deputados, usando da força política, age de forma torpe para (1) impedir a
discussão de interesses locais, regionais e nacional, para (2) remeter a decisão
para Conselhos antidemocráticos, com ampla maioria de ministros do Governo; e, também,
para (3) dificultar a ação legítima e democrática do Ministério Público, sempre
que este julgar necessário intervir.
No
caso do PL 6.441/2013, espera-se que o deputado da Fonte não leve adiante este
desserviço às gerações presentes e futuras de nosso país, e, de modo sensato,
retire o seu projeto.