Por Heitor Scalambrini Costa*
Antes de assumir o Palácio do Planalto, o presidente eleito com 55,13% dos votos (aproximadamente 58 milhões de votos, contra 44,87% do seu adversário, aproximadamente 47 milhões de votos), continua a fazer declarações sobre temas sensíveis, que invariavelmente tem levado a criação de embaraços, constrangimentos, desrespeito, declarações depreciativas, impróprias, mentirosas e incoerentes, ameaçando países estrangeiros. As reações e retaliações diante de tais declarações já começaram e afetarão diretamente nosso país.
Ao mesmo tempo este lacaio servil do governo americano de Trump se coloca alinhado com temas que os americanos estão completamente isolados no panorama internacional. A escolha de seu futuro ministro de Relações Exteriores reforça a ideia de que sua política externa seguirá os passos de Trump.
O último e desastroso pronunciamento foi sobre o programa Mais Médicos, criado em 2013 durante o governo da presidente Dilma. Mais uma vez fica evidenciado que o presidente eleito não tem conhecimento, nem preparo, é irresponsável, e muito menos se interessar pela saúde dos mais pobres. Um caminho de preconceitos, de irracionalidade, mentiras, demagogia, intolerância e ódio está sendo trilhado.
Acabar com o programa Mais Médicos era um objetivo perseguido desde 2013, ano da criação do projeto. Além de votar contra quando ainda era deputado pelo PP-RJ, ele protocolou uma ação no Supremo Tribuna Federal na tentativa de suspender a Medida Provisória que elaborou o Mais Médicos.
As últimas manifestações do presidente eleito levaram o governo cubano a reagir, rompendo a parceria, o que levou a retirada do país de 8.332 médicos cubanos, causando danos irreparáveis a população mais pobre, localizada em sua grande maioria no Nordeste e na Amazônia. O que será desta população ao saber que o futuro presidente deixou o posto de saúde sem médico?
Só em Pernambuco estavam 427 médicos cubanos, distribuídos em 123 municípios do Estado. Em torno de 350 atendimentos por mês eram realizados por estes profissionais, ou seja, 50.000 consultas mês. Neste único Estado em torno de 600.000 pessoas estarão sem atendimento a partir do próximo mês.
A maioria dos municípios que eram atendidos pelos médicos cubanos, distribuídos em todas as regiões do país, contavam com menos de 20 mil habitantes, e dependiam exclusivamente dos médicos que participavam do Programa. São mais de 28 milhões de pessoas (há previsões do dobro) em todo o Brasil, entregues à própria sorte, sem acesso as ações de promoção de saúde, prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças básicas. E não adiante vir com mais “fake news” de que os editais anunciados para contratação de médicos atenderão estas populações. O histórico dos últimos anos mostra o desinteresse dos médicos brasileiros em aceitar este trabalho, distante dos grandes centros urbanos.
Segundo a conclusão de um estudo desenvolvido pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (Universidade Federal da Bahia), conjuntamente com o Imperial College, de Londres, e pela Universidade Stanford, nos EUA, que simulou vários cenários da saúde brasileira; a paralisação do programa Mais Médicos e o congelamento dos gastos federais na atenção básica de saúde no Brasil, com o teto de gastos, atingirá até 50 mil pessoas que, sem a assistência necessária, morreriam precocemente, antes dos 70 anos. A maioria desses óbitos serão nas áreas mais pobres e mais vulneráveis, aquelas que eram atendidas pelos médicos cubanos.
Diante deste cenário trágico provocado pelo futuro dirigente máximo do país, como fica a (ir)responsabilidade deste genocídio anunciado? A quem caberá ser responsabilizado pelas mortes previsíveis que ocorrerão?
Diante de brutal ataque a direitos mínimos, como acesso a saúde do povo mais carente, não há mais espaço de convivência, nem diálogo com o futuro governo. A oposição, ou reage, ou será esmagada por um governo de ultradireita que disse (durante a campanha) a que veio.
*Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco