Meu pai, filho de migrantes de Alagoas, era um bancário que só virou professor porque havia uma universidade pública.
Minha mãe, filha de pintor de paredes e de uma costureira, austeros e queridos, também só pôde começar uma faculdade – e depois, já na maturidade, concluí-la – porque era pública, pois ser professora primária e criar dois filhos jamais a permitiriam pagar por isso.
Eu e meu irmão, universidades públicas. Minha filha mais velha, pós-doutora por uma universidade pública. Minha sobrinha mais velha, igual, formada numa universidade pública.
Não ir à rua amanhã seria trair a mim e trair a todos eles.
Pior, a todos os homens e mulheres, de ontem, de hoje e de amanhã que, como nós, tem, teve e terá na universidade pública a oportunidade, que infelizmente ainda é um privilégio, de aprendermos tudo: a sentir, a pensar e a trabalhar.
Mesmo os que podiam pagar, mesmo os que hoje são economicamente bem sucedidos economicamente – colegas ontem, amigos hoje e sempre, que são executivos ou ex-executivos de grandes empresas – sabem e reconhecem que se tornaram pessoas melhores naquele ambiente democrático e plural, muito mais que se tivessem vivido em gaiolas de ouro.
Fizemos, todos nós – exceção, acho eu, feita à minha mãe, do tempo em que “moças de bem” não podiam fazê-las – balbúrdias, bagunças, cervejadas, empurramos trabalhos meia-boca, seminários de fancaria, tudo o que se permite aos jovens fazer quando se despedem da irresponsabilidade e passam a ser profissionais.
Aliás, na juventude, talvez pudéssemos não perceber o quanto eram importantes aquelas escolas que, se privadas, não teríamos. Na maturidade, porém, já nem este direito temos.
Desertar do dever de defender a universidade é fugir de lutar por seus pais, por seus filhos, por seu país.
Sim, o nosso país, que não pode existir e menos ainda crescer se não houver produção de conhecimento e a ânsia de saber e de criar.
O que moveu e o que moldou minha vida, desde quando usávamos a blusa branca, com “EP” de Escola Pública bordado em linha azul, que passou pelo ensino técnico, que foi à Universidade, que me levou a Brizola e a Darcy Ribeiro, faz disso, aliás, mais que um dever. É algo tão vital como respirar e pulsar.
Nem minha escolha em ser eremita, o dia inteiro a escrever, pode servir de desculpa à omissão, à obrigação de colocar a cara e o corpo diante dos monstros que nos assombram.