247 – Bretton Woods, 1944. Fortaleza, 2014.
Setenta anos depois de terem sido traçadas as regras da governança
financeira do mundo, um fato capaz de inserir outra cidade no mapa das
grandes mudanças econômicas globais aconteceu.
Na capital do Ceará, nesta terça-feira 15, os cinco países que
integram a sigla BRICS inauguraram, na prática, uma nova ordem para o
mundo. Eles colocaram em prática a constituição de um bloco econômico
repleto de afinidades políticas. A partir de agora, já se sabe que
Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul terão o seu Novo Banco de
Desenvolvimento, com capital inicial de US$ 50 bilhões, mas que poderá
ser elevado a US$ 100 bilhões, para fazer frente ao Banco Mundial. E
também formarão uma poupança de US$ 100 bilhões no Acordo de Reservas de
Contingência, exatamente para não dependerem exclusivamente do Fundo
Monetário Internacional para serem socorridos em crises. O jornal inglês
Financial Times publicou análise da redação que dá a correta dimensão
do conjunto desses fatos: "Notável demonstração de como a ordem
econômica está mudando".
Na mídia tradicional brasileira, no entanto, o assunto foi publicado,
como se diz no jargão do jornalismo, com "má vontade". A reunião de
Fortaleza que impressionou o FT e chama a atenção de todos os líderes
mundiais não mereceu, na terça-feira 15, ocupar o espaço da manchete de
nenhum dos jornais Folha de S. Paulo, Estado e Globo. Na tevê, a
colunista Eliane Cantanhêde, na Globo News, registrou o acontecimento
dentro do contexto da sucessão presidencial:
- A Copa acabou, mas a presidente Dilma Rousseff engatou uma segunda e
já está de novo nas fotografias, registrou a comentarista. Ao final do
comentário, lembrou que nesta quarta-feira, em Brasília, cerca de 20
presidentes do continente americano serão recebidos para ter informações
sobre como irá funcionar o banco de desenvolvimento e o fundo de
reservas. E pontuou:
- Será mais um momento de badalação e fotografias para a presidente que é candidato à reeleição.
Ideia estudada pela nata dos economistas dos governos dos BRICS há
pelo menos dois anos, o Novo Banco de Desenvolvimento poderá emprestar
dinheiro para projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento a
juros menores que os praticados pelo Banco Mundial. O ministro da
Fazenda, Guido Mantega, explicou que os recursos dos BRICS poderão ser
aplicados em fundos especiais para renderem enquanto aguardam as
demandas dos países.
Houve apostas nos jornais brasileiros de que uma briga de última hora
entre as delegações da China e da Índia poderia matar a ideia de
criação do banco de fomento. Não foi o que ocorreu. Os sócios acordaram
rapidamente em que a sede será em Xangai, na China; o primeiro
presidente será da Índia, inaugurando o rodízio de cinco anos no cargo; a
presidência do conselho de administração será do Brasil; a Rússia
ficará com a presidência do conselho de governadores; e a primeira sede
regional da instituição ficará na África do Sul.
- A democracia é uma das marcas do BRICS, disse Mantega.
Com um mercado consumidor de 3 bilhões de pessoas e um PIB conjunto
que equivale a 20% da riqueza mundial, o BRICS poderá adotar, no futuro,
as moedas nacionais para transações comerciais entre seus cinco sócios.
Na véspera da cúpula, 700 empresários assinaram carta em que pedem aos
líderes políticos a adoção dessa medida, que substituiria o dólar e o
euro em compras e vendas.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, estimou no encontro de
Fortaleza que a demanda de recursos para projetos de infraestrutura em
países em desenvolvimento chega, hoje, a US$ 800 bilhões. Há, assim,
demanda suficiente para o banco do BRICS ter um grande papel na nova
ordem mundial que o grupo está criando a olhos vistos – ainda que a
mídia brasileira tenha má vontade em enxergar.