Pode
não ser pelo padrão FIFA, mas a Copa do Mundo de 2014 vai ser vencida
do nosso jeito mesmo, na unha e no sufoco, contra tudo e contra todos,
para provar que este povo não tem mesmo medo de ser feliz
“Onde foi que erramos?”, perguntaram-se os atordoados editores do
Instituto Millenium, no momento em que o juiz ergueu o braço no Maracanã
e o placar apontava a nossa vitória na final da Copa do Mundo no
Brasil, em 2014. Que manchete eles vão dar agora? Só pode ser com ponto
de exclamação e tudo: “Perdemos!”. Pior do que isso: deu tudo certo e,
entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Menos os profetas do
apocalipse.
O que era para ser uma guerra perdida se transformou em uma grande
festa do lado de fora daqueles prédios lúgubres, onde os editores
planejaram e anunciaram o nosso fracasso, durante meses e meses, na
certeza de que, desta vez, o Brasil iria a nocaute, dentro e fora de
campo. Para que serviram todas aquelas manifestações do “Não vai ter
Copa” e as fotos de obras inacabadas que povoaram as páginas da nossa
imprensa antes que a bola começasse a rolar?
Fiz questão de assistir à final, camuflado de urubu, em uma dessas
redações silenciosas, povoadas de jovens tristonhos, com a cara enfiada
nos seus computadores, surdos e cegos para a vida ao seu redor. Dava até
pena de ver a frustração da rapaziada, impotente diante da realidade
que as imagens dos televisores espalhados pela redação insistiam em
mostrar.
De nada valeram seus diplomas de mestrado e pós-graduação nas
melhores escolas do País e do mundo, cursos e cursos na Casa do Saber,
seminários no Millenium, especializações no exterior. E agora? Como
fazer para explicar o que aconteceu, sem parecer que foram derrotados?
Saí à rua para fumar um cigarrinho e parecia ter aterrissado em outro
mundo. Desconhecidos se abraçavam ao som de uma sinfonia infernal de
buzinas e rojões, bandeiras brasileiras brotavam das janelas, bares
abarrotados de gente feliz esvaziando engradados de cerveja, os mais
eufóricos tomando cachaça no gargalo, confraternizando com policiais e
soldados, turistas maravilhados com o que viam, mesmo os que perderam a
carteira.
Os aviões continuavam subindo e descendo, a CPI da Petrobras já tinha
ido para o ralo, não havia novas denúncias a fazer, mesmo sem provas, e
as pesquisas teimavam em não sair do lugar. Era a grande oportunidade
perdida para liquidar de vez com essa raça de incompetentes e vagabundos
que, no entanto, acabaram provando ser capazes não só de ganhar na
bola, mas também de organizar uma Copa do Mundo.
Pode não ter sido no padrão FIFA, mas foi do nosso jeito mesmo, na
unha e no sufoco, contra tudo e contra todos, para provar que este povo
não tem mesmo medo de ser feliz. Arrastado pela galera, nem pensei em
voltar para a redação, tirei meu disfarce de ave agourenta e fui
caminhando até em casa, pensando em que belo país poderíamos viver se
não tivesse tanto coxinha torcendo contra, jogando no time do quanto
pior, melhor.
Filho de imigrantes, primeiro a nascer aqui, gosto muito da minha
terra e da minha gente. Já rodei por todos os cantos deste País e por
muitos lugares do mundo e não me conformo quando vejo brasileiro falando
mal do Brasil. Para o bem ou para o mal, não existe país como o nosso.
Temos ainda muita coisa para construir e consertar, eu sei, mas não é
com pessimismo, rancor e ódio que vamos acabar com as desigualdades e as
mazelas que ainda nos assolam.
No fim, dá tudo certo e, se ainda não deu, é porque ainda não
chegamos ao fim, apesar das manchetes de cada dia. Nem tenho pressa para
que isso aconteça logo, porque o importante na vida não é a chegada, é o
caminho. Se compararmos com o Brasil que perdeu a Copa de 1950, também
no Maracanã, já caminhamos bastante, e não foi apenas no futebol.
Aos editores nacionais e estrangeiros que não acreditam nisso, só
posso parafrasear o desabafo do velho Zagalo: “Vão ter que nos engolir”.
Em tempo: Vocês podem imaginar a dificuldade que tive, velho
repórter que sou, escravo dos fatos por ofício, para escrever este texto
de ficção, que não é a minha praia, depois de ler os assustadores
jornais de domingo, no final de maio, a 18 dias da Copa.
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