"O senhor me condenou por peculato e não definiu onde, como e quanto
desviei. Anexei ao processo a execução total do contrato de publicidade
da Câmara, provando a lisura dos gastos. O senhor deve essa explicação e
não conseguirá provar nada, porque jamais pratiquei desvio de recursos
públicos", diz o deputado João Paulo Cunha (PT/SP), que pode ser preso
assim que Joaquim Barbosa regressar das férias na Europa e reassumir a
presidência do Supremo Tribunal Federal; "um Judiciário autoritário e
prepotente afronta o regime democrático", diz ainda o ex-presidente da
Câmara dos Deputados; "O senhor pode muito, mas não pode tudo. Pode
cometer a injustiça de me condenar, mas não pode me amordaçar", completa
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Leia abaixo a carta na integra.
Leia abaixo a carta na integra.
Carta aberta ao ministro Joaquim Barbosa
Por João Paulo Cunha
Caro ministro Joaquim
Barbosa, há poucos dias, em entrevista, o senhor ficou irritado porque a
imprensa publicou a minha opinião sobre o julgamento da ação penal 470 e
afirmou que não conversa com réu, porque a este só caberia o
ostracismo.
Gostaria de iniciar este
diálogo lembrando-lhe da recente afirmação do ex-ministro Eros Grau, do
Supremo Tribunal Federal: "O Judiciário tende a converter-se em um
produtor de insegurança" e que "o que hoje se passa nos tribunais
superiores é de arrepiar". Ele tem razão. E o julgamento da ação penal
470, da qual V.Exa. é relator, evidencia as limitações da Justiça
brasileira.
Nos minutos finais do
expediente do último dia 6 de janeiro, o senhor decretou a minha prisão e
o cumprimento parcial da sentença, fatiando o transitado e julgado do
meu caso. Imediatamente convocou a imprensa e anunciou o feito.
Desconsiderando normas processuais, não oficializou a Câmara dos
Deputados, não providenciou a carta de sentença para a Vara de Execuções
Penais, não assinou o mandato de prisão e saiu de férias. Naquele dia e
nos subsequentes, a imprensa repercutiu o caso, expondo-me à execração.
Como formalmente vivemos
em um estado democrático de direito, que garante o diálogo entre o juiz e
o réu, posso questionar-lhe. O caso era urgente? Por que então não
providenciou os trâmites jurídicos exigidos e não assinou o mandato de
prisão? Não era urgente? Por que então decretou a prisão de afogadilho e
anunciou para a imprensa?
Caro ministro, o senhor
pode muito, mas não pode tudo. Pode cometer a injustiça de me condenar,
mas não pode me amordaçar, pois nem a ditadura militar me calou. O
senhor me condenou sem me dirigir uma pergunta. Desconsiderou meu
passado honrado, sem nenhum processo em mais de 30 anos como
parlamentar.
Moro na periferia de
Osasco há 50 anos. Trabalho desde a infância e tenho minhas mãos limpas.
Assumi meu compromisso com os pobres a partir da dura realidade da
vida. Não fiz da fortuna minha razão de existir, e as humilhações não me
abatem, pois tatuei na alma o lema de dom Pedro Casaldáliga: "Minhas
causas valem mais do que minha vida".
O senhor me condenou por
peculato e não definiu onde, como e quanto desviei. Anexei ao processo a
execução total do contrato de publicidade da Câmara, provando a lisura
dos gastos. O senhor deve essa explicação e não conseguirá provar nada,
porque jamais pratiquei desvio de recursos públicos. Condenou-me por
lavagem de dinheiro sem fundamentação fática e jurídica. Condenou-me por
corrupção passiva com base em ato administrativo que assinei (como meu
antecessor) por dever de ofício.
Por que me condenou
contra as provas documentais e testemunhais que atestam minha inocência?
Esclareça por que não aceitou os relatórios oficiais do Tribunal de
Contas da União, da auditoria interna da Câmara dos Deputados e da
perícia da Polícia Federal. Todos confirmaram que a licitação e a
execução do contrato ocorreram em consonância com a legislação.
Desafio-lhe a provar que
alguma votação tenha ocorrido na base da compra de votos. As reformas
tributária e previdenciária foram aprovadas após amplo debate e acordo,
envolvendo a oposição, que por isso em boa parte votou a favor.
Um Judiciário autoritário
e prepotente afronta o regime democrático. Um ministro do STF deve
guardar recato, não disputar a opinião pública e fazer política. Deve
ter postura isenta.
Despeço-me, senhor
ministro, deixando um abraço de paz, pois não nutro rancor, apesar de
estar convicto – e a história haverá de provar – que o julgamento da
ação penal 470 desprezou leis, fatos e provas. Como sou inocente,
dormirei em paz, nem que seja injustamente preso.