Dá para enxergar três Bolsonaros, e com um deles é possível dialogar, diz Renan Calheiros. Ex-presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL) afirma que nos cerca de dez meses do governo Jair Bolsonaro (PSL) é possível identificar diferentes presidentes.
Foto: Marcos Brandão/Senado Federal)
Da Folha de S. Paulo - Poder por Ricardo Della Coletta, da Folha
Hanrrikson de Andrade, do UOL
O das propostas econômicas que “não têm resultado” e o das falas “chocantes e preconceituosas”, além de um terceiro: o que indicou Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República contra o “corporativismo do Ministério Público” e que respeitou a decisão do Congresso de derrubar vetos à lei de abuso de autoridade.
“Se há um Bolsonaro com o qual você pode dialogar, é com esse”, afirma Renan.
Ao programa de entrevistas da Folha e do UOL, em estúdio compartilhado em Brasília, Renan criticou o ministro Sergio Moro (Justiça) e disse que a ida do ex-juiz da Lava Jato para a Esplanada representou um “retrocesso institucional”.
O senador não poupou elogios a seu antigo adversário Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, e disse que jamais voltará a disputar o comando da Casa.
Mensagens da Lava Jato
“Os diálogos da Vaza Jato falam por si só. Eles precisam ser investigados porque, se não houver uma responsabilização para os que cometeram crimes ou extrapolaram os seus limites, vai acabar estimulando novas práticas em favor da impunidade”, diz em relação às mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil.
O ex-presidente do Senado defendeu que a Casa abra uma CPI para investigar o conteúdo das mensagens caso os órgãos competentes não apurem os indícios de irregularidades na força-tarefa da Lava Jato.
Atuação de Sergio Moro
“O Moro tem uma formação intelectual fascista. Só isso justifica o que ele fez na eleição, na prisão do Lula, na condenação sem provas e na interferência no processo político”, afirma Renan Calheiros.
“Acho que ele tem errado bastante no Ministério da Justiça. Sua vinda para a Esplanada acabou definindo um retrocesso institucional. Ele começou o governo querendo legislar por decreto e nunca teve uma concepção clara da separação dos Poderes. Mandou para o Congresso um pacote anticrime que, ao invés de coibir, dá direito para matar. Traz salvaguardas que em nada vão ajudar na redução da criminalidade”, diz o senador.
Moro é técnico ou político?
“Moro está despojado hoje de qualquer condição técnica. Hoje ele é mais do que nunca um político.
Quando juiz, ele era um político enrustido, porque liderou um projeto de poder”, afirma Renan.
Ao criticar o ex-juiz da Lava Jato, Renan defendeu a aprovação de um projeto que estabeleça uma quarentena que membros do Judiciário, das polícias e do Ministério Público necessitem cumprir antes de disputar eleições.
Investigações a que responde
Renan nega que seja um crítico da Lava Jato apenas para se defender de investigações e de delatores que o citaram.
“É uma interpretação errônea, uma tentativa de me paralisar. Fizeram isso quando eu apresentei o projeto do abuso de autoridade. Havia um projeto para destruir a política como um todo. Não havia na prática como destruir a política sem destruir quem estava sentado na cadeira de presidente do Congresso.”
Deltan Dallagnol
“É um caso típico de como a vaidade pode prejudicar alguém. Ele fez sempre um jogo político, defendeu a necessidade de um procurador ser candidato ao Senado em cada estado. Nós tiramos o Ministério Público do papel e garantimos, na prática, a sua autonomia financeira. Mas ele não pode jamais funcionar para destruir a política e eleger algumas pessoas para serem multi-investigadas”, diz o ex-presidente do Senado.
Rodrigo Janot
“O [Rodrigo] Janot me causa asco. O caráter homicida que ele desvenda no seu livro [‘Nada Menos que Tudo’] é uma coisa indicativa do que representou termos um psicopata à frente da PGR. Pela autodelação e autoflagelação que possibilitou naquele livro, ele é uma espécie de cadáver insepulto”, afirma Renan, em referência às declarações do ex-procurador-geral da República no final de setembro.
Janot disse que, em 2017, entrou armado no Supremo com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes, mas que desistiu na última hora.
10 meses de Bolsonaro
“Nesse curto espaço de tempo já dá para enxergar três Bolsonaros”, afirma Renan.
“Um Bolsonaro das propostas econômicas, que não saem do lugar e não têm resultado. As pessoas entendem que ele é um soldado raso e não batem continência”, cita.
“Tem o Bolsonaro das declarações chocantes, preconceituosas e da radicalização ideológica. Esse aí teria sido reformado [das Forças Armadas] por inaptidão profissional”, afirma o senador.
“E você tem um Bolsonaro novo, que é o que teve coragem de acabar com o corporativismo do Ministério Público, escolhendo um procurador-geral da República [Augusto Aras] contra o próprio modelo e contra os excessos cometidos por alguns procuradores”, diz Renan, dando mais características do que seria este último Bolsonaro com o qual diz poder conversar.
“Você tem um Bolsonaro que colocou o Coaf no seu devido lugar. Você tem um Bolsonaro que, mesmo não concordando com a lei de abuso de autoridade, fez lá os seus vetos, mas não reagiu à deliberação do Congresso Nacional no sentido de rejeitá-los. Estou no campo da oposição, mas, se há um Bolsonaro com o qual você pode dialogar, é com esse.”
Base no Congresso
“O Bolsonaro não construiu uma base e da, forma que as coisas estão, não vai construir. Porque se configura uma base e se dimensiona o seu tamanho a partir de compromissos programáticos, não de eventuais interesses políticos e pessoais”, diz Renan.
Alcolumbre no Senado
“No Senado o poder mudou, mas está em boas mãos. O Davi [Alcolumbre] tem surpreendido inclusive a mim. E eu tenho procurado colaborar, claro que com a cabeça de alguém que já foi quatro vezes presidente do Senado e passou por momentos tumultuados da vida nacional. Mas eu acho que o Davi está muito bem, o Senado mantém a sua rotina legislativa”, diz Renan, que, no começo do ano, travou embate com Alcolumbre na disputa pelo comando da Casa.
Indicação de Eduardo Bolsonaro para Embaixada
“Essa indicação não pode ser ser apreciada sob o olhar do parentesco. Muita gente já disse no passado que parente em governo é uma coisa ruim para o governo e para o parente. Nós temos de fazer uma sabatina criteriosa, mas não dá também para antecipadamente fazer um veto”, diz Renan em relação à indicação do filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para Embaixada americana.
“Teoricamente eu voto contra [a nomeação]. Em razão do que tenho lido em relação à subordinação dos interesses da embaixada aos Estados Unidos, que eu entendo conflitar. Mas não posso definir posição antes de sabatiná-lo”, afirma.
Briga entre Bolsonaro e PSL
“Se há uma característica que nós não podemos cobrar do Bolsonaro é fidelidade partidária. Ele já militou em muitas siglas, e acho que isso não vai acabar agora. Vai militar em várias também daqui pra frente”, diz Renan sobre a possível saída do presidente do PSL.