Em um longo artigo na Piauí – a meu ver com distorções que não invalidam o texto – Celso Rocha de Barros, colunista da Folha, resume de forma brilhante , em três parágrafos, a “legalidade” praticada pela mídia e pela Justiça brasileira.
Antológico, vale a pena ler:
Na verdade, o Brasil teve outra Constituição em 2015-2016, e ela foi revogada após o impeachment. Em 2015, delações eram provas suficientes para derrubar políticos e encerrar carreiras. Em 2017, deixaram de ser. Em 2016, era proibido nomear ministros para lhes dar foro privilegiado; em 2017 deixou de ser. Em 2016, os juízes eram vistos como salvadores da pátria, em 2017 viraram “os caras que ganham auxílio-moradia picareta”. Em 2015, o sujeito que sugerisse interromper a guerra do impeachment em nome da estabilidade era visto como defensor dos corruptos petralhas; em 2017 tornou-se o adulto no recinto, vamos fazer um editorial para elogiá-lo. Em 2015, presidentes caíam por pedaladas fiscais; em 2017 não caíam nem se fossem gravados na madrugada conspirando com criminosos para comprar o silêncio de Eduardo Cunha e do doleiro Lúcio Funaro. Em 2015, a acusação de que Dilma teria tentado influenciar uma decisão do ministro Lewandowski deu capa de revista e inspirou passeatas. Em 2017, Temer jantou tantas vezes quanto quis com o ministro do Supremo Tribunal Federal que o julgaria no TSE e votaria na decisão sobre o envio das acusações da Procuradoria-Geral da República contra ele, Temer, ao Congresso. Em 2015, Gilmar teria cassado a chapa Dilma-Temer. Em 2017, não cassou.
O leitor pode ter qualquer opinião sobre temas jurídicos: talvez não lhe pareça razoável considerar delação como prova; talvez não fosse razoável cassar a chapa no TSE; talvez seja legítimo nomear ministros para lhes dar foro privilegiado; talvez seja errado prender logo após o julgamento em segunda instância; talvez valha o benefício da dúvida quando o presidente é gravado combinando crimes.
O que é obviamente errado, e indiscutivelmente aconteceu no Brasil nos últimos anos, é um dos lados da disputa política ter o poder de ligar ou desligar instituições conforme seus interesses.
É isso: a lei, aqui, é conforme o freguês. Porque a Justiça, com a mídia, tornaram-se um partido político, de ideologia bem definida.
O texto de Barros, na íntegra, foi publicado aqui.