KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA
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É um desserviço ao trabalho da magistratura e do
Ministério Público o lobby feito pelo procurador da República Deltan
Dallagnol e outras autoridades junto ao relator na Câmara do projeto de
medidas de combate à corrupção, Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Na última
segunda-feira, Dallagnol e cia. estiveram com Lorenzoni para pedir a
exclusão do relatório de crimes de responsabilidade para magistrados e
procuradores, sob o argumento de que tal regra poderia ensejar
perseguição e limitar a atuação do Judiciário e do Ministério Público.
Há motivos para que juízes e procuradores se preocupem com
retaliações do Congresso Nacional, sobretudo por causa da Lava Jato. No
entanto, fazer lobby pela exclusão de algum tipo de regra que puna
eventual abuso de autoridade é errado. Mais: é vergonhoso vindo de quem
diz combater a corrupção.
Sem dúvida, é um argumento forte sustentar que essa discussão está
prosperando devido ao medo da classe política em relação às revelações
das delações da Odebrecht. Retaliação do Congresso precisa ser
denunciada por juízes e procuradores, mas não é desculpa para jogar um
projeto correto para debaixo do tapete.
Quem faz a coisa certa não deveria ter medo de discutir uma
tipificação, um texto, uma regra que tratasse, sim, de eventuais crimes
de responsabilidade da parte de juízes e procuradores. O Brasil acabou
de passar por um impeachment presidencial com alegação de crimes de
responsabilidade cometidos por Dilma Rousseff. Deputados e senadores
respondem a crimes de responsabilidade, caso o cometam. Diretores do
Banco Central e de bancos públicos respondem por seus atos.
É absurdo o juiz Sérgio Moro ter divulgado uma conversa telefônica
entre Dilma e Lula no mesmo dia em que ele gravou o telefonema, causando
uma interferência no processo político. Na denúncia contra Lula, o
procurador Deltan Dallagnol fez na televisão um julgamento sumário do
ex-presidente. O ministro Teori Zavascki criticou as atitudes de Moro e
de Dallagnol. E fez muito bem.
É correto tipificar crimes de responsabilidade para juízes e
procuradores. Não se trata de camisa-de-força, mas de uma proteção à
sociedade. Hoje, os abusos podem ser comemorados por aqueles que desejam
ver um inimigo político ter seus direitos e garantias individuais
desrespeitados. Amanhã, poderá ser qualquer cidadão. Poderá ser a
sociedade como um todo que terá seus direitos desrespeitados.
O Ministério Público é um fiscal da lei para proteger a sociedade.
Uma democracia não pode ter juízes e procuradores intocáveis. A pior
ditadura é a do Judiciário, porque a esse poder cabe a última palavra
para resolver os conflitos na sociedade.
É preciso impedir uma operação abafa em relação à Lava Jato. É
necessário criticar essa articulação vergonhosa para dar anistia a quem
praticou caixa 2, criando uma lei de impunidade seletiva. Portanto, que
se denuncie a eventual intenção de retaliar da classe política, mas que
se discutam temas importantes, como abuso de autoridades e supersalários
nos Três Poderes. O negócio é separar o joio do trigo.
Numa democracia, não podemos ter um grupo de autoridades que seja
considerado infalível. Quem não quer uma tipificação de crimes de abuso
de autoridade tem receio de que não esteja fazendo a coisa certa. Quem
procede corretamente não deve temer.
O procurador Deltan Dallagnol faz um pregação contra a corrupção que
não combina com lobby no Congresso nem almoço em galeteria para
confraternizar com o deputado a quem está pedindo um favor.
Também é uma vergonha que magistrados procurem a presidente do
Supremo Tribunal Federal para se queixar da comissão do Senado que vai
fazer um pente-fino em supersalários. A ministra deveria se pronunciar
claramente a respeito desses supersalários e da tentativa de incorporar o
auxílio-moradia aos vencimentos. Ou seja, a solução não seria acabar
com o auxílio-moradia, mas adicioná-lo. Parece brincadeira, mas não é.
Há estimativas do governo federal de que os supersalários custem ao
país entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões por ano, dado o impacto na
União, Estados e municípios e ao número de penduricalhos no
contracheque.
Governadores se queixaram ao presidente da República. Dizem que, se
tentam diminuir salários do Judiciário e do Ministério Público retirando
penduricalhos, sofrem retaliações.
Ora, é um absurdo que o aplicador da lei burle a lei para ganhar
acima do teto salarial, que é de R$ 33,7 mil. É um bom salário para quem
tem estabilidade no emprego e outras prerrogativas. Quer ganhar mais,
vá trabalhar na iniciativa priva e correr o risco de ser demitido ou de
ver seu negócio fracassar.
O Brasil atravessa uma forte crise fiscal. Está sendo aprovada no
Congresso uma regra orçamentária draconiana, a chamada PEC do Teto. As
corporações se articulam para ficar com fatias do bolo em detrimento dos
mais pobres. Encontrar brechas na lei para se apoderar dos recursos
públicos de forma indevida é uma forma de corrupção.
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