A cantora Fafá de Belém, que cantou o Hino Nacional em comemoração ao samba no Planalto
Álvaro Costa e Silva - Folha de S.Paulo
É só inventar um centenário, como este do samba, que se vende qualquer peixe. Semana passada, o governo gastou quase R$ 600 mil, sem licitação,
para promover um show onde se apresentaram, entre outros, Neguinho da
Beija-Flor, Áurea Martins e Márcio Gomes. Como não conhecia este último
sambista, fui ao Google e descobri que ele é tratado como "xodó das
vovós". Na abertura Fafá de Belém cantou o Hino Nacional (cachê de R$ 15
mil), e o túnel do tempo levou Michel Temer aos comícios das
Diretas-Já. Ato falho.
Já
o centenário do samba é ato falso. Como se gênero musical pudesse ter
dia exato de nascimento, está valendo o escrito na Biblioteca Nacional,
segundo o qual, em 25 de outubro de 1916, o samba carnavalesco "Pelo
Telefone" teria sido executado pela primeira vez num velho teatro da
Tijuca. O registro foi feito, sob o nº 3.295, em 27 de novembro do mesmo
ano.
Sem
dúvida, "Pelo Telefone" ganhou a fama com sua colcha de retalhos
musicais, aproximados do maxixe. E o refrão da quarta parte, quem diria,
teve origem no folclore nordestino. Acontece que, três anos antes, em
1913, já havia sido gravada a composição "Em Casa de Baiana", de Alfredo
Carlos Brício, como "samba de partido alto". Ou seja, estamos
comemorando uma data supostamente redonda com ligeiro atraso.
E
o autor? Cadê o autor da façanha? Na letra fria, Donga e Mauro de
Almeida (o jornalista "Peru dos Pés Frios") são os donos de "Pelo
Telefone". Mas, no batuque e no improviso, a lista dos que reivindicaram
a autoria é longa: Germano Lopes da Silva, Hilário Jovino Ferreira,
João da Mata, Didi da Gracinda — e até Sinhô, o "Rei do Samba", e a
própria Tia Ciata da Pequena África carioca na praça Onze.
Sem estresse. Na hora das homenagens, sempre cabe mais um penetra. Sobretudo quando a verba é pública.
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