Por Luiz Moreira, especial para o 247
Desde março de 2014,
somos bombardeados por prisões, amplamente divulgadas, de pessoas
identificadas como alvo de “operações” capitaneadas pela Polícia
Federal, pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal no
Paraná. Tais “operações” se procedem a acordos de delação premiada, em
circunstâncias não muito claras, envolvendo alguns desses presos.
Desde então é também
amplamente divulgado que se trata de “operação”, dividida em fases, cujo
objetivo é passar o Brasil a limpo, livrando-o da corrupção existente
na Petrobras, em esquema orquestrado por empresas privadas e por
partidos políticos.
Como consequência dessa
“operação”, articularam-se duas propostas: uma promovida pela Justiça
Federal e outra, pelo Ministério Público Federal.
A primeira, capitaneada
pelo Juiz Federal responsável pelo caso e por sua associação corporativa
(AJUFE), tem o propósito de permitir a prisão de condenados por crimes
graves já na primeira instância, prisão que seria mantida sem a
necessidade dessa condenação transitar em julgado. A segunda, por
procuradores da República que atuam na mesma “operação”, pretende
alterar a regra que proíbe a utilização de provas ilícitas no direito
brasileiro, permitindo tanto a utilização de provas ilícitas quanto das
provas delas derivadas.
Com as prisões houve
também o já conhecido processo midiático de sua legitimação, reforçado
tanto por entrevistas coletivas concedidas pelas autoridades envolvidas
no caso quanto por uma estratégia de dividir a instrução processual em
diversas fases, todas “batizadas” com nomes excêntricos, cujo propósito é
o de fixar no imaginário popular a permanência dessa “operação”,
montada para “limpar” a República.
O método empregado tem
sido duramente criticado por Ministros do Supremo Tribunal Federal,
sendo qualificado pelo Ministro Teori Zavascki como “mediavalesco” e
“cobriria de vergonha qualquer sociedade civilizada”; já para o Ministro
Marco Aurélio, “a criatividade humana é incrível! Com 25 anos de
Supremo, eu nunca tinha visto nada parecido. E as normas continuam as
mesmas”.
Após mais de um ano de instrução processual, de acordos de delação firmados, de diversas prisões e de habeas corpus
concedidos aos presos na citada “operação”, como é possível que não se
tenha, ainda, um quadro jurídico definido para o caso? Após críticas
contundentes de Ministros do STF ao referido Juiz Federal, por que não
há sinais de que a orientação do STF, manifestada no julgamento dos
citados habeas corpus, será acatada?
Minha resposta às duas
questões anteriores é a seguinte: Sérgio Moro entende que lhe cabe
traçar e implementar política criminal. Porta-se como militante de uma
causa, submetendo as regras processuais penais e os direitos
fundamentais à obtenção desse resultado. Para obtenção dos fins que
justificam sua causa, ele se utiliza do cargo que ocupa e deapoio
midiático. Elaborou meticulosamente um enredo para obtenção desse fim e
dele não se arredará.
Esse enredo conta com personagens, tanto protagonistas como coadjuvantes, e com uma estratégia de obtenção de apoio popular.
O enredo montado por
Sérgio Moro tem como protagonistas Alberto Youssef, João Vaccari Neto e
Marcelo Odebrecht; já a obtenção de apoio popular se realiza pela
reiterada mensagem de que se trata de uma missão, caracterizada como
combate à corrupção e aos poderosos, o que explica a divisão da
instrução em diversas fases, cujo propósito é o de permanecer sob
holofotes para, assim, impossibilitar decisões dos tribunais que soltem
os réus presos e que invalidem decisões e provas obtidas, e tem a
finalidade de transformar em lei suas opiniões sobre processo penal.
O enredo traçado por
Sérgio Moro se inicia com a prisão de Alberto Youssef e com o “acordo”
de delação por ele traçado. Obedece a dois propósitos: firmar em
Curitiba a competência paraprocessar e julgar ações judiciais ante a
Petrobras, cuja sede é no Rio de Janeiro, e difundir que se trata de
algo espúrio, sombrio, vez que a difusão do nome de Youssef é sempre
precedida da afirmação de que se trata de doleiro.
Em 2003, Alberto Youssef
firmara acordo de delação premiada, pela qual se comprometera a não
mais cometer crimes. Esse acordo de delação foi considerado quebrado por
Sergio Moro, após manifestação do MPF, o qual afirmara que ele
continuava atuando na evasão de divisas e na lavagem de dinheiro.
Surpreendente ainda é que ante Alberto Youssef tramitam vários processos
na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Assim, tanto o Ministério
Público Federal quanto Sérgio Moro são conhecedores de seus antecedentes
e de sua personalidade.
Antecedentes e
personalidade que tiram não apenas a credibilidade de suas afirmações
como impedem que com ele se firme novo acordo de delação premiada.
Quanto a isso, o Ministro
aposentado Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, idealizador
das varas especializadas nos crimes de lavagem de dinheiro no país e
mentor de diversos juízes especializados no tema,considera “imprestável”
o novo acordo de delação premiada, firmado por Alberto Youssef e
homologado por Sérgio Moro, por “ausência de requisito subjetivo – a
credibilidade do colaborador – e requisito formal – omissão de
informações importantes no termo do acordo -, consequentemente todos os
atos e provas dela advindas também serão imprestáveis”.
Ora, qual a razão para o
juiz Sérgio Moro e os membros do MPF emprestarem credibilidade a Alberto
Youssef e omitirem do termo de delação premiada, submetido à apreciação
do Ministro Teori Zavascki, o cancelamento do acordo de delação
anteriormente firmado?
Se, como afirma o
Ministro Gilson Dipp, “todos os atos e provas” obtidos com a delação de
Youssef são “imprestáveis”, não há nenhuma razão para o processamento e o
julgamento desses feitos tramitarem em Curitiba, vez que a delação de
Youssef é a única justificativa para esses processos estarem sob os
cuidados de Sérgio Moro.
Essa contradição é ainda
mais evidente quando se sabe que Sérgio Moro já tinha se declarado
suspeito, por motivo de foro íntimo, em processo criminal ante o mesmo
Alberto Youssef.
Há uma razão deliberada
que submete os direitos fundamentais de réus e suspeitos e impede que
Juiz Federal competente, do foro da cidade do Rio de Janeiro, instrua e
julgue tais processos.
O caso Vaccari
Com João Vaccari Neto,
o enredo ganha contornos políticos, isto é, a prisão de Vaccari Neto
demonstra à opinião pública que nem mesmo o tesoureiro do partido da
Presidenta da República e do ex-presidente Lula estão a salvos da
“operação Lava Jato”.
Não importa se a prisão
de Vaccari Neto seja fundamentada em abstratas razões, como “garantia da
ordem pública e da ordem econômica”, e que sua prisão preventiva seja
clara antecipação de pena. Também não importa que o triste erro judicial
envolvendo sua cunhada Marice Corrêa de Lima, presa sem a mínima
verificação não apenas de sua identidade como de sua relação com o caso,
demonstre que as prisões foram utilizadas como forma de justiçamento.
Não havendo nada concreto
a justificar uma prisão preventiva, medida que deveria ser excepcional,
o recurso à garantia da ordem pública e da ordem econômica deveria ser
razão secundária a acompanhar a existência de provas concretas a
justificar o cerceamento de liberdade.
No entanto, não importa
se o réu Pedro Barusco tenha afirmado desconhecer que o PT e Vaccari
Neto tenham recebido propina: “O que eu disse e quero esclarecer é que
eu ‘estimo’ que o PT tenha recebido” e sobre Vaccari Neto: “Não sei se o
Vaccari recebeu, se foi doação legal, se foi no exterior, se foi em
dinheiro”.
Ou seja, sem lastro
probatório, a prisão preventiva é utilizada para que seja verificada a
existência de delitos? Não havendo provas suficientes para embasarem
condenação judicial ou sua confirmação nos tribunais, a prisão
preventiva é pura antecipação da pena? É utilizada para eliminar os
alvos da operação? Para destruir os cidadãos constituídos como seus
inimigos? Receio que sim, mas não somente!
No entanto, além de se
constituir como estado de exceção dentro de uma democracia
constitucional, a prisão de Vaccari Neto se caracteriza como mais um
capítulo da criminalização da política em vigor. Claro que há nela
componentes ideológicos de quem a promove, porém não está em jogo apenas
a interdição do Partido dos Trabalhadores. Trata-se de algo mais
profundo. Está em curso um projeto de tutela da sociedade civil e dos
poderes políticos pelo sistema de justiça.
O caso Odebrecht
A prisão de Marcelo Odebrecht
tem alto valor simbólico. Ele completa o enredo, cuidadosamente traçado
por Sérgio Moro, ao reunir elementos que compõem o cenário popular
segundo o qual algumas pessoas e segmentos do país não seriam
alcançáveis pelo sistema de justiça, encarnando a figura do empreiteiro
rico, desligado dos destinos do povo brasileiro e com pouca conexão com
seus problemas. Ele seria assim destinatário de uma espécie de vingança.
Não por acaso ele é
tratado pelos que executaram a operação como “cereja do bolo”, como o
motivo da 14ª fase, isto é, sua prisão demonstra que ninguém está a
salvo dela, nem mesmo os ricos e os poderosos.
No entanto, a
fundamentação dessa prisão preventiva é muito precária, típica de um
método segundo o qual os fins justificam os meios, pois alegar que a
condição econômica do preso, tanto tempo após o início dessa “operação”,
poderia interferir na instrução, constrangendo testemunhas ou alterando
provas, não é admissível, não neste momento. Do mesmo modo, as provas
divulgadas (mensagens eletrônicas) não são suficientes, nessa fase
processual, para a decretação da prisão preventiva, uma vez que
subvertem a lógica garantista da Constituição, não podendo a prisão ser
utilizada como instrumento para produzir prova ou como meio para a
investigação.
Por conseguinte, a prisão de Marcelo Odebrecht só se explica como parte desse enredo, mas não tem qualquer fundamento jurídico.
Na Alemanha nazista, era
comum que o Ministro da Justiça editasse cartas aos juízes alemães,
encorajando-os a aplicar os ideais nazistas. Se houvesse um choque entre
as leis e esses ideais, o Estado nazista conclamava os juízes alemães a
cumprirem seu papel como funcionários do Reich. Felizmente no Brasil de
hoje vivemos sob uma democracia constitucional. Estou certo de que
permanecerá no passado o desrespeito aos direitos fundamentais, assim
como os tribunais corrigirão quaisquer decisões monocráticas que
contornem nossa democracia constitucional.
A transposição de
nomenclaturas de guerra para o sistema jurídico brasileiro não pode
significar a existência de um regime de exceção, em que cidadãos sejam
alvos de uma guerra promovida pelo aparato persecutório nacional.
Assim, os tribunais não permitirão que cidadãos sejam tratados como
alvos, nem que se efetivem operações que os transforme em inimigos.
Luiz Moreira, Doutor em Direito, ex-Conselheiro Nacional do Ministério Público, é professor de Direito Constitucional.
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