Quem defende é o advogado e professor emérito da
PUC-SP Celso Antônio Bandeira de Mello, em artigo publicado no site
Consultor Jurídico; segundo ele, "o mero fato de sua condenação
fundar-se na posição que ocupava e na suposição de que deveria conhecer
os mal feitos apontados vale como prova cabal de que nada foi contra ele
[Dirceu] encontrado"; texto lembra que "todos os povos civilizados
consagram a obrigação de que os réus sejam submetidos a mais de uma
instância de julgamento", direito que foi privado dos réus da Ação Penal
470 ao serem julgados no STF
247 - A condenação de José Dirceu ser baseada no
fato de que, por ocupar a posição que ocupava - o cargo de
ministro-chefe da Casa Civil - ele deveria ter conhecimento de tudo,
"vale como prova cabal de que nada foi contra ele encontrado", avalia o
advogado e professor emérito da PUC-SP Celso Antônio Bandeira de Mello,
em artigo no site Consultor Jurídico.
Bandeira de Mello lembra, ainda, que "todos os povos civilizados
consagram a obrigação de que os réus sejam submetidos a mais de uma
instância de julgamento", direito que foi privado dos réus da Ação Penal
470 ao serem julgados diretamente pela corte suprema do Brasil. Leia
abaixo seu artigo:
Pressuposição fundou condenação de José Dirceu
O Poder Judiciário, como toda e qualquer realização humana, está
sujeito às mesma falências e imperfeições a que o ser humano está
sujeito. Não é porque alguém é juiz, mesmo que da mais alta corte do
país, que escapa das insuficiências, defeitos, paixões ou mesmo simples
condicionantes capazes de virem a tisnar a atuação dos homens em geral
e, por conseguinte, a do próprio Judiciário, interferindo com a isenção,
equilíbrio e serenidade que deveriam caracterizar tal Poder.
Este é um motivo, embora não o único, pela qual o chamado duplo grau
de jurisdição é importantíssimo para ao menos tentar prevenir ou
minimizar a realização de injustiças, de decisões suscitadas por alguma
destas indevidas causas prejudiciais ao cumprimento do Direito. Por
isto, todos os povos civilizados consagram a obrigação de que os réus
sejam submetidos a mais de uma instância de julgamento, sendo
excepcionalíssimos os casos em que há dispensa desta exigência.
A Constituição brasileira não foge a este padrão. Assim, justamente
por ser incomum a transgressão deste valioso principio, é que foi
necessária a previsão constitucional do artigo 101, I, "b", para que
titulares de certos cargos fossem diretamente julgados pelo Supremo
Tribunal Federal, com o que ficaria suprimida pelo menos uma instância
de apreciação da matéria. Sem embargo, ao arrepio dele, no julgamento da
Ação Penal 470, vulgarmente conhecida, sob os auspícios da imprensa,
como mensalão, todos os réus, mesmo quando não se enquadravam na
hipótese deste dispositivo, foram privados desta garantia elementar.
Nenhuma justificativa prestante de Direito foi apresentada para fundar
tão esdrúxulo comportamento.
Ao serem apreciados os embargos interpostos pelos condenados, o STF
volta a reconsiderar parcialmente a matéria, sem que se possa, contudo,
falar em duplo grau, pois é o mesmo órgão que a apreciou originalmente e
que por força de vias recursais volta a examiná-la. Dantes o julgamento
esteve intoxicado por um clima emocional provocado não pela suposta
"opinião pública", como muitas vezes se diz, mas, na verdade pela
"opinião publicada", visto que é a ela que se atribui tal qualificativo.
Já agora, conquanto ainda não dissipada a mesma ambiência, pelo menos
ela não tem mais a desabrida intensidade anterior. É de presumir,
portanto, que o peso da vontade da imprensa não tenha a incomensurável
força anterior. Não se pretende aqui rememorar as posições que vieram a
ser adotadas em desacordo com nossa tradição jurídica, mas simplesmente
focar um único caso, por ser, possivelmente, o mais extremado exemplo de
descompasso com o que até então se tinha como óbvio. A saber: os réus
devem ser considerados inocentes até prova em contrário. Ninguém poderá
ser condenado meramente com base em suposições e muito menos por
presunção de que a autoridade superior, apenas por sê-lo, deve ser
considerada incursa em crime imputado a subordinados seus como se
existira uma responsabilidade objetiva inculcável a quem ocupe a cúpula
de um organismo público. Aliás, se este fosse o princípio adotável teria
de ser levado, embora absurdamente, a suas últimas consequências.
Ora, foi precisamente uma pressuposição de tal ordem que fundou a
condenação do ex-ministro José Dirceu. Com efeito, se algo existira
contra ele, se alguma conduta reprovável lhe fosse direta e pessoalmente
irrogável ela teria sido apontada e esmiuçada. O mero fato de sua
condenação fundar-se na posição que ocupava e na suposição de que
deveria conhecer os mal feitos apontados, vale como prova cabal de que
nada foi contra ele encontrado. No mínimo, então, a penalização que se
lhe atribuiu teria de ser muito mais leve e não equiparável a sanções
que se aplicam em face de crimes gravíssimos. Este segundo exame da
Corte Suprema, é pois, a ocasião adequada para corrigir-se o excesso e
as singularidades que levaram um jurista ilustre e hoje membro daquela
corte a mencionar o julgamento da Ação Penal 470 como "um ponto fora da
curva".
Nenhum comentário:
Postar um comentário