247 - Colunista do Jornal do Brasil, a
jornalista Hildegard Angel publicou ontem um desabafo em defesa de José
Dirceu. Segundo ela, nunca uma pessoa foi tão acatada, humilhada e
linchada na história do País. Leia abaixo:
JOSÉ DIRCEU: NUNCA, ANTES, NA HISTÓRIA DESTE PAÍS, UM HOMEM SOFREU TAL LINCHAMENTO
Ao fim da transmissão, quinta-feira, da sessão no STF,
Maria Alice Vieira, a colaboradora braço direito de José Dirceu,
anunciou que todos os presentes ali reunidos no salão de festas do
prédio do ex-Chefe da Casa Civil estavam convidados para retornar na
próxima quarta-feira e, juntos, assistirem novamente à próxima sessão,
que provavelmente deverá julgar os Embargos Infringentes, assim todos
esperam.
Havia no ar uma certa sensação de alívio. Alguém atrás de
mim comentou: “Mais uma semana!”. O que entendi como “mais uma semana de
esperança”.
O irmão de José Dirceu, Luís, que naquela manhã teve um
mal estar cardíaco e precisou ser atendido numa clínica, veio me
cumprimentar e agradecer o apoio, “em nome da família”. Gesto inesperado
e tocante, de quem estava claramente emocionado.
José Dirceu é o que a literatura define como “homem de
fibra”. Impressionante como se manteve e se mantém de pé, ao longo de
todos esses anos, mesmo atacado por todos os lados, metralhado por todas
as forças, todos os poderosos grupos de mídia, os políticos seus
detratores, todas as forças da elite do país, formadores de opinião de
todos os segmentos e matizes, de forma maciça e ininterrupta,
massacrante.
De modo como jamais se viu uma pessoa nesta Nação ser
ofendida, ele vem sendo acossado, desmoralizado, num processo de
demolição continuada, sem deixarem pedra sobre pedra, esmiuçando-se cada
milímetro de sua intimidade, devassando, perseguindo, escarafunchado e,
sem qualquer evidência descoberta, juízes o condenam proferindo frases
do tipo “não tenho prova cabal contra Dirceu, mas vou condená-lo porque a
literatura jurídica me permite”. Nem mesmo o mais reles criminoso foi
satanizado de tal forma ou sofreu linchamento tão perverso.
Com tal carga a lhe pesar sobre os ombros, ele não os
curva. Às vezes mais abatido, outras aparentemente decepcionado, contudo
sempre em combate, preparando-se para o momento seguinte. Não se
queixa, não acusa, não lamenta, nem cobra a ausência de apoio daqueles
que, certamente, deveriam o estar respaldando. É discreto. Não declina
nomes. Nunca deixa transparecer quem está próximo dele, quem não. Um
eterno militante de 68, que jamais despiu a boina.
“Família”, antes da reunião daquela tarde, em seu prédio, com os companheiros que o apoiam nessa via crucis
penal, para juntos assistirem à transmissão da TV Justiça, ele almoçou
em casa com suas três ex-mulheres, filhas, irmãos, uma confraternização
familiar necessária para quem poderia, dali a algumas horas, escutar o
pior dos resultados.
E lá estávamos nós, aguardando sua chegada, falando baixo,
sem grande excitação no ambiente, enquanto um técnico ajeitava, no
laptop, o projetor das imagens da TV que seriam exibidas na parede.
A diretora de cinema Tata Amaral fez uma preleção sobre
seu filme “O grande vilão”, um documentário sobre esse período da vida
de Dirceu, “o homem mais perseguido da história da República”, e
distribuiu termos de autorização de uso de imagem para que os presentes,
que assim o desejassem, assinassem. Pelo que percebi, todos assinaram.
Dirceu cumprimentou um por um, agradecendo a presença de
todos. Parecia calmo ao chegar. E calmo permaneceu até o final. Quando
se despediu de mim, José Dirceu disse, elogiando: “O ministro Barroso
estava certo, quando defendeu a suspensão da sessão até a próxima
semana”.
Ele se referia à argumentação do ministro Luis Roberto
Barroso, que, para garantir aos advogados plena defesa dos réus, usou a
frase “seria gentil e proveitoso dar aos advogados a oportunidade de
apresentar memoriais”. Ponderação que o presidente Joaquim Barbosa
acolheu muito a contragosto.
Na próxima semana, estaremos lá todos com você de novo,
José Dirceu. Acredito em sua inocência. Acredito em Mentirão, não em
Mensalão, que para mim existe muito mais para desqualificar a luta dos
heróis e mártires da ditadura militar do que para qualquer outra coisa.
Mais para justificar o apoio dado pela direita reacionária de 1964 – as
elites e a classe média manipulada – ao totalitarismo que massacrou
nosso país, tolheu nossa liberdade e nosso pensamento, dizimou valores,
destruiu famílias, acabrunhou, amedrontou, paralisou, despersonalizou e
tornou apático o povo brasileiro por duas décadas.
E como alvo maior desse processo de desqualificação
reacionária, que ressurge como um zumbi nostálgico assombrando o país,
foi eleito José Dirceu, o qual, como bem analisa o cineasta Luiz Carlos
Barreto, cometeu o grave delito de colocar no poder um sindicalista das
classes populares, o Lula.
Pois foi por obra, empenho, articulação e graça de José
Dirceu que Luís Inácio Lula da Silva chegou a Presidente da República. E
chegou com um projeto político de sucesso, bem estruturado, com um
discurso certo, que alçou Luís Inácio não só a um patamar diferenciado
de Estadista em nossa História, como também a um conceito internacional
jamais alcançado por um Chefe de Estado brasileiro.
Grande parte disso tudo pode ser creditada (ou, segundo interpretação de alguns,debitada) a José Dirceu.
Motivos não faltaram nem faltam para essa obsessão de tantos por destrui-lo.
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