Ex-presidente do PT, deputado federal condenado na
Ação Penal 470 relata suas primeiras impressões da vida na prisão;
critica processo e reafirma inocência; questionado sobre o que pensa do
futuro e qual expectativa tem sobre o pedido de aposentadoria feito à
Câmara, Genoino afirma que jamais deixará a luta política; "Posso ter
que mudar a forma, o local e o uniforme, mas o sentido da minha vida é
lutar por sonhos e causas. Nunca lutei por questões pessoais. Não tenho
patrimônio nem riqueza material. Quem quiser pode vascular meus dados
bancários e fiscais. Até quando puder, lutarei pela minha inocência e
por um Brasil justo, soberano e democrático", diz ele, em entrevista a
Paulo Moreira Leite, da Istoé
247 - "Mesmo com o tratamento digno e sério dos
funcionários do sistema prisional, a sensação de estar preso
injustamente é a mesma. Reafirmo que a tranquilidade da consciência dos
inocentes é a mesma. Não cometi nenhum crime. Estou preso porque era
presidente do PT. Isso faz de mim um preso político". A declaração é do
José Genoino, concedida com exclusividade à revista Época, edição que
chega nesta sexta-feira (22) às bancas. A entrevista foi feita na
quinta-feira (21) pela manhã.
Questionado sobre o que pensa do futuro e que expectativa tem sobre o
pedido de aposentadoria feito à Câmara, Genoino afirma que jamais
deixará a luta política. "Posso ter que mudar a forma, o local e o
uniforme, mas o sentido da minha vida é lutar por sonhos e causas. Nunca
lutei por questões pessoais. Não tenho patrimônio nem riqueza material.
Quem quiser pode vascular meus dados bancários e fiscais. Até quando
puder, lutarei pela minha inocência e por um Brasil justo, soberano e
democrático. Cumpro as decisões da Justiça com indignação", afirmou.
Confira matéria, assinada pelo diretor da publicação, Paulo Moreira Leite, na íntegra:
"Jamais deixarei a luta política"
Em entrevista à ISTOÉ, José Genoino fala sobre os momentos na cadeia.
Com problemas de saúde, o deputado deve cumprir o restante da sentença
em casa
Levado às pressas para o Incor de Brasília, na tarde da quinta-feira
21, José Genoino recebeu duas notícias ao mesmo tempo. A primeira veio
dos médicos. Ao contrário do que se temia no início, ele não havia
sofrido um infarto do miocárdio. Enfrentava uma nova crise de pressão
alta, igualmente preocupante, mas previsível num paciente em sua
condição. A segunda novidade veio do Supremo Tribunal Federal. Como o
próprio Genoino, seus advogados e a procuradora-geral da República em
exercício, Ella Wiecko, solicitavam desde a segunda-feira 18, o ministro
Joaquim Barbosa, presidente do STF, concordou com o pedido de mudar seu
regime prisional.
Em vez de cumprir seis anos e sete meses de pena em regime
semiaberto, como ficou definido no julgamento da Ação Penal 470, Genoino
foi autorizado a mudar-se para o regime de prisão chamado “domiciliar
ou hospitalar”, considerado compatível com um estado de saúde
classificado como “grave” ou “ gravíssimo” por todos os médicos que o
examinaram nos últimos dias. Com a mudança, deixará de ser obrigado a
dormir todas as noites na cela de uma prisão, com direito a sair apenas
para trabalhar durante o dia, passando a viver internado num hospital ou
mesmo em casa. Joaquim Barbosa fez questão de ressalvar que sua decisão
tem caráter “provisório”, esclarecendo que irá aguardar um novo laudo –
o quarto em cinco dias – para anunciar uma resolução definitiva. Ao ser
informado da mudança, Genoino reagiu em tom de alívio: “Então quer
dizer que não vou voltar para a Papuda?”, perguntou à mulher, Rioko,
referindo-se ao presídio de Brasília onde se encontrava internado desde o
sábado 16. Horas antes de se dirigir ao Incor, ainda na Papuda, Genoino
concedeu entrevista exclusiva à ISTOÉ, quando falou do drama de sua
terceira prisão. “(Quando entrei na prisão) Vieram à minha cabeça
imagens terríveis de quando fui preso durante a ditadura. Depois de uma
viagem de um dia inteiro, totalmente desnecessária, ficamos quatro horas
em um pátio porque não sabiam onde nos colocar. Se não sabiam onde nos
colocar, por que nos fizeram viajar?”, questionou.
Num país que acompanhava com apreensão a evolução da saúde de Genoino
desde a noite da sexta-feira 15, quando ele se apresentou de punho
erguido à sede da Polícia Federal, em São Paulo, numa cena que marcou o
início das prisões de uma primeira leva de 11 condenados na Ação Penal
470, a decisão de Barbosa teve caráter reconfortante. Não deve ser
vista, porém, como sinal de que a condenação tenha sido amenizada. A
pena continua igual. A menos que, como outros condenados, Genoino
consiga livrar-se da condenação por “formação de quadrilha” no
julgamento do STF sobre embargos infringentes, sua situação legal será a
mesma de antes.
O novo regime de prisão é fruto da compreensão de que, diante de seu
estado de saúde, as razões da medicina deveriam orientar a letra fria do
Direito, pois uma vida humana estava em jogo. Fumante inveterado a
ponto de consumir três maços de cigarro por dia até quatro meses atrás,
hipertenso que há muitos anos toma medicamento para controlar o mal,
Genoino em julho foi vítima de uma dissecção da aorta, patologia que
costuma produzir hemorragias graves, infarto e acidente vascular
cerebral. Depois de uma cirurgia de oito horas, saiu do Sírio Libanês
com uma prótese de 15 cm no tórax para substituir uma parte da aorta.
“Nesta situação, é preciso que o paciente tenha sua pressão arterial
mantida nos níveis adequados”, explica o cardiologista Ricardo Miguel,
da Sociedade de Cardiologia do Rio de Janeiro. Lembrando que a rotina da
prisão pode “desencadear picos de hipertensão, que podem produzir um
novo rompimento da aorta”, Ricardo Miguel acredita que “a melhor coisa
para um paciente como ele é ficar em casa.” Com pequenas variações, um
diagnóstico semelhante foi firmado por Roberto Kalil e Fabio Jatene,
dois dos maiores cardiologistas do país, que atenderam Genoino no Sírio,
e por Fábio Daniel, que o examinou, a pedido na família, a uma da
madrugada de sábado, em Brasília. Os laudos deixaram claro que o
deputado era um prisioneiro de risco – e a ninguém interessava a
ocorrência de uma tragédia de conseqüências políticas imprevisíveis.
Verdadeira exceção numa sociedade polarizada e dividida, onde grande
parte da população tem ojeriza por políticos profissionais, Genoino é um
parlamentar de sete mandatos que colecionou um número imenso de
admiradores nas várias fatias do espectro político, sejam aliados, sejam
inimigos. O deputado do PT foi condenado a 6 anos e 11 meses de prisão,
em regime semiaberto, por corrupção ativa e formação de quadrilha.
Durante o julgamento do mensalão, três ministros que votaram por sua
condenação – por ter, como presidente do PT, avalizado os empréstimos
fictícios dos bancos BMG e Rural ao PT e participado de reuniões com
dirigentes de partidos aliados em que se tratou de apoio político ao
governo Lula em troca de vantagens financeiras – não deixaram de
ressalvar o caráter admirável de Genoino e sua biografia com tantas
passagens exemplares. Assinado por unanimidades da literatura, como
Antonio Candido, e da música, como Chico Buarque, circula pela internet,
com apoio de 11 000 pessoas, um abaixo-assinado que diz que “José
Genoino é um homem honesto, digno, no qual confiamos. José Genoino
traduz a história de toda uma geração que ousa sonhar com liberdade,
justiça e pão.”
Durante a semana, criticada pelos militantes do PT por manter um
silêncio absoluto em relação ao destino dos condenados da Ação Penal
470, a presidenta Dilma Rousseff demonstrou preocupação com a saúde de
Genoino por “razões humanitárias.” Na verdade, a presidenta tem uma
afeição pessoal pelo deputado e por Rioko, guerrilheira do PC do B como o
marido, quando as duas ficaram presas sob a ditadura militar. Quando,
em função da ação penal 470, Genoino deixou o posto de assessor
especial no ministério da Defesa, Dilma fez questão de receber o casal
num jantar, no Alvorada. “É claro que a presidente se importa com o
destino e o estado de vários condenados” afirma um assessor do Planalto.
“Mas ela tem uma ligação com Genoino”, reforçou.
A melhor explicação para uma admiração com origens tão diversas
encontra-se, provavelmente, numa ladeira no bairro paulistano do
Butantã, endereço do maior patrimônio material do deputado. É um sobrado
germinado, em formato de salsicha, comprado há três décadas com
financiamento-padrão da Caixa Econômica. Os móveis são simples, mas
acolhedores e confortáveis. O índice de luxo é zero e foi ali que o dono
da casa criou um filho, uma filha. Uma outra filha de Genoino, nascida
de uma relação fora do casamento, sempre morou com a mãe, em Brasília.
De correspondentes estrangeiros a prestadores de pequenos serviços,
todos visitantes se surpreendem ao descobrir a identidade do dono da
casa. “Pensei que deputado só morava em mansão,” admitiu um funcionário
de uma empresa de TV a cabo que, em função de uma política permanente de
contenção de todas despesas que podem ser eliminadas, fora chamado para
desinstalar um ponto num quarto que a primogênita Miruna desocupou
quando foi passar uma temporada na Espanha.
Normalmente, Genoino mostra-se constrangido quando o interlocutor
ameaça fazer um elogio que no fundo é um diminutivo – falar bem de um
sujeito pelo simples fato dele não ter-se tornado ladrão. Considera-se
um lutador da política. “Jamais deixarei a luta política. Posso ter que
mudar a forma, o local e o uniforme, mas o sentido da minha vida é lutar
por sonhos e causas. Nunca lutei por questões pessoais”, disse à ISTOÉ.
Sempre atuou à esquerda. Deixou a guerrilha do Araguaia fazendo a
autocrítica da luta armada. Tornou-se um dos cérebros do Partido
Revolucionário Comunista, uma organização efêmera, em sua existência,
mas duradoura em militantes que fizeram boa história – como o governador
do Rio Grande do Sul Tarso Genro e a ex-ministra e adversária Marina
Silva, o mártir da ecologia Chico Mende
Incapaz de longas caminhadas, sem fôlego para a mesma oratória do
passado, dias depois de deixar a mesa de cirurgia Genoino entrou com
pedido de aposentadoria no Congresso, iniciativa que deu início a uma
corrida contra o tempo nos bastidores de Brasília. Interessado em
preservar seus direitos como parlamentar, Genoino quer aprovar a
aposentadoria o quanto antes, encerrando a carreira no mesmo instante.
Em busca de medidas que ajudam a agradar as ruas em ano pré-eleitoral, o
presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, quer votar a cassação dos
parlamentares condenados pelo mensalão em prazo recorde. Se isso
ocorrer, e Genoino for cassado, perderá o mandato e os direitos
acumulados na carreira. s. Mas na década de 1990 andava tão moderado
entre os petistas que sentia-se mais à vontade para dialogar com
estrelas do PSDB, inclusive o presidente Fernando Henrique Cardoso, e
Luiz Eduardo Magalhães, nome em ascensão no PFL baiano até ser derrubado
por um infarto fulminante.
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