A pergunta é do jornalista Leonardo Sakamoto, do
UOL, que contesta o pedido do presidente do STF para aumentar os
salários dos ministros da corte: "em um país em que o salário mínimo é
insuficiente para garantir dignidade, é questionável que um ministro da
Suprema Corte peça um aumento maior do que aquele que será concedido ao
naco encardido da população"
247 - O presidente do STF, Joaquim Barbosa,
enviou ontem um projeto para o Congresso pedindo aumento do salário dos
ministros do STF, que ficaria em R$ 30.658,42. Como a corte suprema é o
teto do funcionalismo público, o reajuste significa mexer também nos
salários de todos os tribunais, além do TCU. Também nesta quinta-feira, o
governo anunciou que o salário mínimo deverá ser R$ 722,90 em 2014.
Diante da disparidade, o jornalista Leonardo Sakamoto coloca uma
pergunta: e se Barbosa ganhasse apenas um salário mínimo? Leia abaixo
seu artigo sobre o assunto, publico em seu blog no UOL.
E se Joaquim Barbosa ganhasse um salário mínimo?
Leonardo Sakamoto
A ministra do Planejamento Miriam Belchior divulgou, nesta quinta
(29), que o salário mínimo de 2014 deve ser de R$ 722,90. Esse valor
representa um aumento de 6,6% ou 44,9 mangos.
Enquanto isso, o salário mínimo mensal necessário para manter dois
adultos e duas crianças deveria ser de R$ R$ 2.750,83 – em valores de
julho deste ano. O cálculo é feito, mês a mês desde 1994, pelo
Departamento Intesindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese).
O Dieese considera o que prevê a Constituição, ou seja: "salário
mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas
necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o
poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim".
Mas como todos sabemos, o artigo 7º, inciso IV, da Constituição
Federativa do Brasil, que trata dessa questão, é uma das maiores
anedotas que temos na República. Rá!
O governo federal atrelou o ritmo de crescimento do PIB ao do salário
mínimo, na tentativa de resgatar seu poder de compra. O combinado prevê
reajustes baseados na inflação do ano anterior e na variação do PIB dos
dois anos anteriores. Por isso, esse número divulgado é uma estimativa,
uma vez que precisamos dos dados consolidados de 2013. O fato é que,
por mais que ocorra um crescimento no poder de compra, estamos longe de
garantir dignidade. Nas grandes cidades, são poucos os que recebem
apenas esse piso. Contudo, segue referência para milhões de famílias que
têm aposentados como arrimos.
Ninguém está pregando aqui a irresponsabilidade fiscal geral e
irrestrita, mas o aumento do salário mínimo é uma das ações mais
importantes para melhorar a qualidade de vida do andar de baixo.
Afinal de contas, salário mínimo não é programa de distribuição de
renda, é uma remuneração mínima – e insuficiente – por um trabalho. Não é
caridade e sim uma garantia institucional de um mínimo de pudor por
parte dos empregadores e do governo. Mas precisamos nos esforçar mais.
Para aumentar a remuneração. Ou, pelo menos, para garantir serviços
públicos de qualidade de uma forma em que a população não precise gastar
do seu bolso para alcançar o que o Estado não fornece (educação, saúde,
cultura, lazer, transporte...) Quem defende Estado mínimo e salário
mínimo insuficiente é, no mínimo, muito sangue ruim.
Dito isso, o que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no
interior do país, recebe pouco mais de um mínimo e tem que depender de
programas de distribuição de renda para comprar o frango do dia a dia,
quando vê na sua TV velha a notícia de que o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, defendeu um aumento de 9,26% em seu
próprio vencimento para 2014? Ou seja, de R$ 28.059,29 para R$
30.658,42, o que representa 2599,13 mangos.
O Congresso Nacional já havia autorizado um reajuste de 15,8% em três
anos. O aumento que cabia a 2014 era de 5,2%, mas Barbosa pediu 9,2, ou
seja, mais 4%. Isso deve impactar a folha de pagamentos de membros dos
Três Poderes, uma vez que o salário dos ministros do STF deveria ser o
teto dos servidores públicos.
Compensar as perdas da inflação, justificou.
Ouvi de um funcionário de um tribunal superior que o mínimo já teve
aumentos consideráveis e o salário dos ministros não. Bem, é claro que a
pergunta no título deste post é retórica (se a educação fosse boa neste
país, eu não precisaria explicar isso). Não estou defendendo o
nivelamento por baixo. Mas em um país em que o salário mínimo é
insuficiente para garantir dignidade, é questionável que um ministro da
Suprema Corte, que – a meu ver – já ganha de forma razoável para a
função, peça um aumento maior do que aquele que será concedido ao naco
encardido da população. E arraste parte do funcionalismo com ele (ou
seja empurrado pelo mesmo funcionalismo). Não é ilegal, mas meu radar de
imoralidade apita feito louco.
Nesse momento, alguns desses que viram a notícia na TV velha engolem o
choro da raiva ou da frustração e torcem para a novela começar rápido e
poderem, enfim, esquecer o que acabaram de ver. Afinal de contas, pelo
menos na ficção dos folhetins há a mão invisível do autor que garante,
na maioria das vezes, a punição das injustiças.
Apesar de Junho, ainda não perceberam que, se quiserem, os que usam chinelo são mais fortes do que os que vestem terno e toga.
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