Janio de Freitas - Folha de S.Paulo
O confronto entre Judiciário e Congresso está destinado a agravar-se,
sem que pareça possível levar a algo positivo, de qualquer ponto de
vista. O incidente que incluiu Renan Calheiros não foi ocasional, fez
parte da tensão entre as duas instituições. Mas não é a causa do
agravamento previsível e ameaçador.
Nos dias que precediam o incidente, Sergio Moro deu várias estocadas no
Congresso. Como sempre, não falou só por si. Chegou mesmo a um mal
disfarçado ultimato. Não foi em entrevista ligeira, pouco pensada. Foi
na Assembleia Legislativa do Paraná que concitou o Congresso a "mostrar
de que lado se encontra nesta questão" –a corrupção.
Quatro dias antes, Moro dirigia-se a juízes e servidores do Paraná ao
dizer que, se aprovado o projeto contra abuso de autoridade (não só de
magistrados), a decisão do Congresso "vai ser um atentado à
independência da magistratura". Tidas mais como provocações do que
defesa de ideias, as investidas de Moro têm exacerbado irritações, no
Congresso, a ponto do senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB a serviço
de Temer como líder do governo, dizer que "Moro se considera o superego
da República".
O juiz de primeira instância que se sobrepôs ao Supremo Tribunal Federal
e ordenou a ação policial no Senado agiu, no mínimo, sob influência da
autovalorização que juízes e procuradores fazem, no caso combinada com o
desprestígio do Congresso. Fez útil demonstração para aferir-se o ponto
em que está a desarmonia funcional e institucional de Judiciário e
Congresso. Como antecipado pela própria presidente do Supremo, com a
reafirmação do radicalismo corporativo exposto, para muitos pasmos, já
no discurso de posse.
É nesse ambiente que os congressistas estão para injetar dois excitantes
poderosos. São os processos de votação, com as discussões preliminares e
emendas, do projeto contra abuso de autoridade, proposto pelo Senado; e
do projeto de pretensas medidas de combate à corrupção, de iniciativa
da Lava Jato e complacente com abusos de autoritarismo.
Moro dá a entender que pode admitir alguma emenda nos dez pontos
originários do seu grupo. Mas Deltan Dalagnol dá o tom da exigência
beligerante: as dez medidas devem ser "aprovadas em sua totalidade".
Explica: "Para trazer para o Brasil o que existe em países que são os
berços da democracia mundial". Mas não explicou o que é isso –democracia
mundial.
Democracia alguma tem leis que permitam práticas abusivas de policiais,
procuradores e juízes se feitas com "boas intenções", como quer o
projeto da Lava Jato. Muitas "democracias" têm CIA, M-15, M-16, Mossad;
outros têm NKVDs variados. Por aqui já tivemos DOI-Codi, SNI, esquadrões
da morte oficializados. Todos esses na criminalidade inconfessa como
parte da hipocrisia "democrática", e não de imoralidade legal.
Tudo indica que os dois projetos recebam emendas que lhes excluam fugas
ostensivas e autoritarismos covardes. Para obter o que quer, porém, a
Lava Jato não pôde evitar alguma perda de controle das delações. E isso
muda a divisão de forças na Câmara e no Senado, em vários aspectos. Um
deles, referente ao Judiciário, à Lava Jato e a determinadas
legislações. A propósito, já se leu ou viu que Romero Jucá fez escola
com sua convocação para "acabar com essa sangria" de tantas delações.
De outra parte, tudo indica que os contrariados pelas emendas,
frustrados nesse capítulo dos seus planos tão pouco ou nada brasileiros,
adotem formas de acirrar as tensões e os enfrentamentos, como réplica
ao Congresso. E o façam de acordo com as liberdades extremadas e as
prepotências que se permitem.
Perspectivas, portanto, que não fogem à regra do Brasil atual. Quando o que é dado como favorável é infundado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário