Confesso que achei a entrevista coletiva do Ministério Público sobre a Lava Jato, em Curitiba, um espetáculo deprimente.
Esqueça os números, os milhões e os bilhões que, divulgados em cima
da hora, ninguém é capaz de digerir, questionar e compreender em poucos
minutos.
Esqueça os roteiros exibidos através de gráficos coloridos, como se fossem descobertas de caráter científico.
Ao contrário do que parece, o que importa são as palavras. Num
ambiente à meia-luz, powerpoint, o procurador Deltan Dallagnol,
coordenador da força-tarefa encarregada das investigações, nos informou
que os procuradores acreditam que seu trabalho representa um "soluço de
esperança."
Disse também que a força-tarefa está comprometida com "um
compromisso, um sonho." Uma comentarista da Globonews chegou a elogiar o
que ouviu.
"Soluço"? "Sonho?"
Compromisso com o quê?
O advogado Tecio Lins e Silva, um dos grandes juristas do país,
comparou o evento de ontem a uma entrevista de 1981, quando um coronel
do Exército tentou convencer os brasileiros que o atentado a bomba do
Rio Centro fora obra de um grupo de esquerda -- quando já era evidente
que seus autores eram um capitão do Exército e um sargento, personagens
do aparato repressivo empenhado em impedir a democratização do país.
Tecio Lins e Silva foi contratado por um dos empreiteiros da Lava Jato.
Estaria cometendo pura retórica de advogado?
Não creio. Em entrevista ao Espaço Público, que será reprisada amanhã
a partir das 23 horas na TV Brasil, o senador Romero Jucá (PMDB-RR),
liderança do Congresso reconhecida por todos os governos de Fernando
Henrique Cardoso para cá, define a Lava Jato como "uma bomba do Rio
Centro no colo do governo. A diferença é que a bomba do Rio Centro
explodiu só uma vez. Agora, é toda semana."
Pelo orçamento de 2016, o Ministério Público terá direito a consumir
R$ 4,9 bilhões por ano -- um trimestre de lucro da Petrobras dos bons
tempos -- para garantir defesa "da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis", conforme diz a
Constituição. Essa é sua tarefa: defender a ordem jurídica e o regime
democrático.
Fora das noites de sono, do divã da psicanálise e dos programas de
auditório, os sonhos e as esperanças pertencem ao universo da política.
É ali, através do debate, do confronto de ideias e projetos, que um
povo define seu destino -- em escolhas democráticas, em urnas. Essa é a
grande conquista da história do Brasil e dos brasileiros, a vitória
pétrea, que não pode ser colocada em risco sob nenhum argumento.
O combate permanente à corrupção é uma necessidade no mundo inteiro.
Faz parte da luta cotidiana de governos, que ganham e perdem nesse
esforço. Reforça a lealdade entre os cidadãos e impede desvios e abusos
que prejudicam a maioria da população e subordinam a democracia.
Mas não pode ser mais importante do que a defesa das garantias e
direitos fundamentais que separam os homens dos animais, como, há
exatamente 80 anos, ensinava mestre Sobral Pinto.
Quando une os jornais, Ministério Público, polícia e Justiça, a luta
contra a corrupção torna-se um movimento autoritário e, até certo ponto,
irresistível.
Isso porque se articula, numa mesma direção, a autoridade que pede a
prisão, aquela que autoriza e aquela que executa. Sem falar nos jornais e
revistas que evitarão questões incômodas, que, no Brasil de 2015, já
alcançam um número considerável: escutas ilegais; alvos selecionados
politicamente, prisões preventivas sem respeito pelo direito a presunção
da inocência; e, agora, a comprovação de que delações premiadas podem
ser refeitas sem perder a validade. É o "submundo da Lava Jato, que os
grandes jornais, de modo geral, não querem trabalhar", afirma Paulo
Vannuchi, que foi Secretário de Direitos Humanos no governo Lula.
Deltan Dallagnol já sugeriu que, no combate à corrupção, o Brasil
adotasse o modelo de Hong Kong -- ilha que é uma colônia do Partido
Comunista Chinês, próspera e autoritária, onde a população sequer tem
direito a escolher seus governantes. Para Carlos Fernando de Santos
Lima, procurador que um repórter da Folha descreveu como "ideólogo" da
Lava Jato, a operação deve se prosseguir por muito tempo ainda, até que
seja possível "refundar nossa República."
Para onde vamos? Isso é sonho? Qual compromisso?
Há menos de dez anos, a prisão de um empresário acusado de corrupção
levou autoridades da época a gabar-se que a "justiça valia para todos e
que banqueiros também são presos no Brasil". O discurso fez eco na
cerimônia à meia-luz de Curitiba, onde se disse que a Lava Jato era uma
"homenagem à igualdade."
Naquele momento, ao mandar abrir a porta da prisão, um ministro do Supremo, Eros Grau, produziu um argumento histórico:
-- Pior do que a ditadura das fardas é a das togas, pelo crédito de que dispõe na sociedade.
Esta é a questão.(
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