Tereza Cruvinel
Colunista do 247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País
Desde 2014, quando teve início, a
Operação Lava Jato foi posta no altar da moralidade e seus condutores
passaram a ser tidos como “intocáveis”. E ai de quem ousasse criticá-la,
fosse pelos métodos heterodoxos, pelas violações a garantias em nome
da “excepcionalidade” da investigação, pelo culto à personalidade de
seus comandantes ou por qualquer outra razão. Quem o fizesse seria
chamado de conivente com a corrupção ou de defensor da “canalha
petista”. A unanimidade parece estar sendo agora rompida, com a reação
do presidente do Senado, Renan Calheiros, à prisão de policiais
legislativos pela Polícia Federal (porque estariam sabotando
investigações da Lava Jato) e as duras críticas do ministro do STF
Gilmar Mendes aos excessos da operação comandada pelo juiz Sergio
Moro. Pode estar começando a desinterdição do debate sobre a Lava Jato. E
como toda unanimidade é burra, decretou Nelson Rodrigues, isso deve ser
bom para o Brasil.
Hoje (25) Renan entrará com ação
junto ao STF para que sejam fixados limites e competências para os
poderes, medida mais adequada do que a votação do projeto que
regulamenta o abuso de poder, que seria vista como retaliação e busca de
autoproteção, já que é investigado. Remetendo o problema para o STF, o
presidente do Senado abre ao tribunal uma oportunidade para se
pronunciar, rompendo a passividade imposta pela santificação de Moro e
da operação, pela unanimidade que obtiveram, com a ajuda da mídia, na
opinião publica. Renan qualificou como “invasão” a operação Métis, que
fez busca, apreensão e prisões no Senado, por ordem de um “juizeco” de
primeira instância, e qualificou de “fascistas” os métodos da Polícia
Federal, que a executou. Embora a operação não tenha sido autorizada por
Moro, mas pelo juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de
Brasília, ela foi realizada em defesa da Lava Jato, e visou senadores
investigados pela Lava Jato.
Já as declarações do ministro Gilmar
Mendes feitas ontem sobre as investigações de Curitiba sugerem que há
clima no STF para enfrentar o tema. Embora exista a lenda de que no
Supremo cada ministro é uma ilha, eles não vivem isolados numa redoma
individual. Estão sempre tomando o pulso externo e o de seus pares.
Gilmar, um dos ministros mais antigos e mais ousados, goste-se ou não de
suas posições, costuma ser um bom intérprete do humor do colegiado.
Suas declarações soaram como badalo de um sino depois de longo
mutismo. "Acho que deveríamos ter colocado limite a essas prisões
preventivas que não terminam". “É preciso mostrar que há limite para
determinados modelos que estão se desenhando”. Disse ele ainda que “como
tínhamos essa tradição de impunidade no país, quando se tenta quebrar
essa tradição, se diz que esses atos não podem ser suscetíveis de
questionamento. Não é assim no Estado de Direito".
Alguém dirá que Renan reage porque o
PMDB agora está entrando na mira da Lava Jato. Que Gilmar defende
limites porque agora o PT já foi triturado pela Lava Jato. Isso é
secundário. O Estado de Direito deve ser defendido sempre e para todos,
ainda que alguns já tenham sido vitimados por sua “flexibilização”,
para usar um eufemismo.
Justiça se faça a Gilmar: não é a
primeira vez que ele critica os excessos de Moro. Em 2010, a 2ª Turma
do STF deu início a um julgamento só encerrado em 2013, sobre atos do
juiz de Curitiba no curso da Operação Banestado - escândalo milionário
de evasão de recursos depositados no Banco do Estado do Paraná nos anos
1990. A turma concluiu que Moro não foi parcial e remeteu o caso ao
Conselho Nacional de Justiça, que o arquivou. Gilmar, na época, foi um
dos mais críticos, apontando um "conjunto de atos abusivos" e "excessos
censuráveis" adotados pelo juiz. Criticou especialmente a insistência
em prisões desautorizadas pela corte. Juiz que assim procede presta um
"desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de
Direito", assumindo postura "absolutista” e “bradando sua independência
funcional". Tudo isso está lá, no acórdão sobre o caso. Dos atuais
ministros, participaram do julgamento, além dele, Teori Zavascki, Celso
de Mello e Ricardo Lewandowski. O decano Mello votou solitariamente
pelo afastamento de moro do caso Banestado.
Se algum dia houver uma investigação
destemida sobre as origens da Lava Jato, ela poderá partir da suspeita
de que tudo começou com um grampo ilegal que captou conversas entre o
advogado Adolfo Góis e Roberto Brasilano, então assessor do falecido
deputado José Janene, um dos pais do petrolão, que era investigado no
âmbito do caso Banestado. A conversou levou à identificação do
“operador” Paulo Roberto Costa, o primeiro delator da Lava Jato. O
grampo seria ilegal porque conversas entre advogado e cliente são
invioláveis. Os advogados cultuam a “teoria da árvore envenenada”
segundo a qual uma primeira prova ilícita compromete a validade de todas
as outras.
O presidente do Instituto Lula,
Paulo Okamoto, é autor de ação sustentando que Moro não é “juiz natural”
das investigações sobre a Petrobras, que fica no Rio de Janeiro. Sobre
isso o STF vai se pronunciar em algum momento. Moro, a partir das
investigações que tinham os paranaenses Janene e Alberto Youssef como
alvo, conseguiu atrair todos os processos relacionados com a Petrobrás
para Curitiba, invocando o critério do julgamento de “crimes conexos”
pela mesma vara. E assim, até o caso do tríplex do Guarujá, que a Lava
Jato quer provar que pertence a Lula, bem como as reforma no sítio de
Atibaia, agora estão com ele, apesar dos reclamos dos procuradores de
São Paulo, que reivindicam a condução das investigações. Em 2008 o
Ministério Público recomendou o encerramento do inquérito sobre o
Banestado mas Moro prosseguiu. Já nesta época ele buscava o que viria a
ser a Lava Jato, uma cruzada contra a corrupção que não deixasse pedra
sobre pedra, custasse o que custasse. E embora a causa seja boa, os
métodos tem produzido custos elevados para o país.
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