Em
inúmeras vezes, nas sessões do impeachment que presidiu, o ministro
Ricardo Lewandowski disse ao plenário, com pequenas variações de forma:
"Neste julgamento, os senadores e senadoras são juízes, estão julgando".
Entre os 81 juízes, mais de 70 declaravam o seu voto há semanas, e o
confirmaram na prática. Um princípio clássico do direito, porém, dá como
vicioso e sujeito à invalidação o julgamento de juiz que assuma posição
antecipada sobre a acusação a ser julgada. O que houve no hospício
–assim o Senado foi identificado por seu presidente, Renan Calheiros–
não foi um julgamento.
Os
que negam o golpe o fazem como todos os seus antecessores em todos os
tempos: nenhum golpista admitiu ser participante ou apoiador de um
golpe. Desde o seu primeiro momento e ainda pelos seus remanescentes, o
golpe de 1964, por exemplo, foi chamado por seus adeptos de "Revolução
Democrática de 64". Alguns, com certo pudor, às vezes disseram ser uma
revolução preventiva. É o que faz agora, esquerdista extremado naquele
tempo, o deputado José Aníbal, do PSDB, sobre a derrubada de Dilma: "É a
democracia se protegendo". Dentre os possíveis exemplos pessoais,
talvez nenhum iguale Carlos Lacerda, que dedicou a maior parte da vida
ao golpismo, mas não deixou de reagir com fúria se chamado de golpista.
As
perícias e as evidências negaram fundamento nas duas acusações
utilizadas para o processo do impeachment de Dilma. As negações foram
ignoradas no Senado, em escancarada distorção do processo. Para
disfarçar essa violência, foi propagada a ideia de que a maioria dos
senadores apoiaria o impeachment levada pelo "conjunto da obra" de
Dilma: a crise econômica, as dificuldades da indústria, o aumento do
desemprego, o deficit fiscal, a suspensão de obras públicas, as
dificuldades financeiras dos Estados e outros itens citados no Congresso
e na imprensa.
Se
os deputados e senadores se preocupassem mesmo com esses temas do
"conjunto da obra", teríamos o Congresso que desejamos. E os jornais, a
TV e os seus jornalistas estariam sempre mentindo com suas críticas,
como normal geral e diária, sobre a realidade da política e dos
políticos.
Nem
as tais pedaladas e os créditos suplementares, desmoralizados por
perícias e evidências, nem o "conjunto da obra", cujos temas não figuram
nos interesses da maioria absoluta dos parlamentares, deram base para
acusações respeitáveis em um processo e um julgamento. Se, no entanto,
envoltos por sofismas e manipulações, serviram para derrubar uma
presidente, houve um processo, um julgamento e uma acusação ilegítimos
–um golpe parlamentar. Os que o efetivaram ou apoiaram podem chamá-lo
como quiserem, mas foi apenas isto e seu nome verdadeiro é só este:
golpe.
Esse
desastre institucional contém, apesar de tudo, um ponto positivo. A
conduta dos militares das três Forças, durante toda a crise até aqui,
foi invejavelmente perfeita. Do ponto de vista formal e como
participação no esforço democratizante que civis da política e do
empresariado estão interrompendo.
O
pronunciamento de ex-presidente feito por Dilma corresponde à aspiração
de grande parte do país. Mas a tarefa implícita no seu "até daqui a
pouco" exigiria, em princípio, mais do que as condições atuais da nova
oposição podem oferecer-lhe, no seu esfacelamento. À vista do que são
Michel Temer e os seus principais coadjuvantes, não cabem dúvidas de que
os oposicionistas podem esperar muita contribuição do governo. Mas o
dispositivo de apoio à situação conquistada será, a partir da Lava Jato,
de meios de comunicação e do capital proveniente de empresários, uma
barreira sem cuidado com limites.
Desde ontem, o Brasil é outro.
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