Jânio de Freitas - Folha de S.Paulo
O
procurador-geral Rodrigo Janot tem uma curiosidade. Bom sinal, nestes
tempos em que temos sabido de inquisidores sem curiosidade, só
receptivos a determinadas respostas.
A
crítica do ministro Gilmar Mendes aos "vazamentos" de delação na Lava
Jato suscitou a reação de Rodrigo Janot registrada por Bernardo Mello
Franco: "A Lava Jato está incomodando tanto? A quem e por quê?".
É
uma honra, e quase um prazer, aplacar um pouco a curiosidade que a esta
altura acomete ainda o procurador-geral, talvez forçando-o a alguma
passividade ou omissão.
Não escapa à sua percepção o quanto a Lava Jato incomoda aos que envolve com sua malha, tenha ou não motivo real para tanto.
Mas
existe outra classe de incomodados, muito mais numerosos do que os
anteriores e atingidos por inquietação diferente. O procurador-geral não
terá dificuldade em reconhecê-los.
É
uma gente teimosa e inconformada. São os que prezam o respeito à
Constituição, mesmo que não a admirem toda, e às leis, mesmo que
imperfeitas.
E
entendem, entre outras coisas, que isso depende não só dos governos e
políticos em geral, mas, sobretudo, dos que integram o sistema dito de
Justiça. Ou seja, o Judiciário, o Ministério Público, as polícias.
Perseguições
escancaradamente políticas, prisões desnecessárias ou injustificáveis,
permanências excessivas em cadeias, "vazamentos" seletivos —tudo isso,
de que se tem hoje em dia inúmeros casos, incomoda muita gente.
Porque,
além de covardes, são práticas que implicam abuso de autoridade e
múltipla ilegalidade. E sua prepotência é tipicamente fascistoide.
Mas
os incomodados com isso não se mudam e não mudam. Querem o fim da
corrupção e de todas as outras bandalheiras, sem, no entanto, o uso de
resquícios do passado repugnante.
2)
Mais uma vez, às vésperas de uma decisão em procedimentos destinados ao
impeachment, a Lava Jato cria uma pretensa evidência, na linha do
escandaloso, que atinja Dilma Rousseff ainda que indiretamente.
Desta
vez, estando os seus procuradores sob suspeita do crime de "vazamento"
de matéria sigilosa, a Lava Jato passou a tarefa ao seu braço policial: o
já conhecido delegado Márcio Anselmo, da Polícia Federal, indicia Lula,
Marisa e Paulo Okamotto.
Os
procuradores da Lava Jato pediram 90 dias para fazer a denúncia dos
indiciados. Três meses? Um inquérito com as peças que justifiquem o
indiciamento não precisa de tanto prazo para a denúncia.
A
dedução é inevitável: o indiciamento foi precipitado, com o mesmo
propósito político dos anteriores atos gritantes, e os longos três meses
são para tentar obter o que até agora não foi encontrado.
3) O governo da China ofereceu ao Brasil, em junho de 2015, crédito em torno de US$ 50 bilhões para obras de infra-estrutura.
A
Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, no
governo Dilma, e os chineses formaram uma comissão que, por sua vez,
decidiu pela criação de um fundo de investimento de US$ 20 bilhões,
composto por US$ 15 bilhões da China e completado pelo Brasil. Um outro
fundo elevará o financiamento ao montante proposto no ano passado.
O
governo de Michel Temer reteve a formalização do acordo, e o início do
primeiro fundo, para apresentá-lo como realização sua. No dia 2 de
setembro, data escolhida em princípio.
4)
A crítica de Gilmar Mendes aos procuradores da Lava Jato foi atribuída
por muitos, nos últimos dias, ao corporativismo sensibilizado pelo
"vazamento" injustificado contra o ministro Dias Toffoli.
O
que houve, porém, foi a repetição, em parte até com as mesmas palavras,
das críticas feitas por Gilmar Mendes em pelo menos duas ocasiões.
Inclusive tratando como crimes os "vazamentos" de delações sigilosas. Os
quais, na verdade, não são vazamentos, ou informações passadas a
jornalistas: são jogadas com fins políticos.
A
definição como crime, aliás, é motivo bastante para que a tal
investigação do "vazamento" contra Toffoli, ou nem comece, ou termine em
nada a declarar.
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