Por Michael Zaidan Filho
Professor da UFPE
Esse é o título do livro escrito pelo historiador baiano João Reis,
falando dos velórios realizados no interior do Brasil. Para não fugir à
tradição, o velório e o funeral do ex-governador de Pernambuco e
ex-candidato à Presidência da República pelo PSB tem tudo para se
transformar num mega-espetáculo, inclusive com carros de som convocando a
população do Recife para o evento fúnebre, a ser realizar – aliás – no
Palácio do Governo. A festa tem a cara de uma ato político-eleitoral,
com a anuência da família do falecido.
Nem bem ainda o IML tinha realizado o exame de DNA para a
identificação dos despojos que corresponderia ao corpo do ex-governador,
o irmão- literato usou de suas habilidades intelectuais para redigir
uma carta aberta propondo a substituição do irmão morto pela irmã (de
fé?) Marina Silva na cabeça da chapa majoritária do PSB. Não deixa de
ter seu valor de curiosidade etnológica essa mistura – tipicamente
nordestina e brasileira – entre negócios e luto. A morte também pode ser
um grande negócio. Haja vista a venda de flores pelas floriculturas do
Recife. Muitas lucram com a morte trágica e o sentimento de luto da
família do ex-governador. Daí a preocupação com o funeral que deve
contar com honras de Estado.
Lembrem-se do suicídio de Getúlio Vargas, a morte de Tancredo Neves, a
morte de Miguel Arraes e agora, a do seu neto e herdeiro político.
Muita gente quer tirar proveito desse funeral. Até os adversários e
ex-adversários políticos do ex-governador. Um evento desse tipo pode ser
facilmente transformado – com o auxílio inestimável da mídia e do
governo estadual – numa comoção popular semelhante à perda do pai
primordial, do deus ancestral, das divindades totêmicas que velam pela
sorte dos vivos. Não será a primeira vez na história política
brasileira.
O primeiro desaparecido ilustre que encabeça a lista é o rei D.
Sebastião Diniz, morto na batalha de Al Kacequibir, na Africa, em sua
cruzada contra os mouros. A espera messiânica de D. Sebastião –
romanceada por Ariano Suassuna – alimenta até hoje o imaginário político
brasileiro, que vive aguardando o retorno do encantado. A transformação
do messianismo religioso em messianismo político para, hoje em dia,
obra de assessores de campanha política a serviço da esperteza de
parentes do falecido (lembrar a carta aberta do irmão- literato)
Não vai ser tarefa fácil. Um líder religioso ou profano não surge
assim da noite para o dia, por obra e graças de um desastre aéreo, por
mais investimento simbólico-propagandístico que venha a receber. A
tragédia desses líderes precisa corresponder- de verdade – a uma vida de
sacrifício, de dedicação ao interesses da população, martírio, exílio e
morte. Como dizia Hegel, os verdadeiros líderes históricos não passaram
de caixeiros viajantes do espírito absoluto: uma vez cumprida a sua
tarefa, são abandonados à sua própria e infeliz sorte. Não é bem este o
caso do neto de Arraes.
Nem na vida, nem na morte se vê indício de sacrifício ou abnegação
por uma grande causa humanitária. Quem se lembra da foto, divulgada pela
imprensa, o ex-governador tomando champagne em seu jatinho, enquanto a
população de Pernambuco sofria com a greve dos policiais do seu “pacto
pela vida”, não pode concordar com o seu ingresso no Panteão dos deuses.
A rigor esse exercício de santificação é mais da responsabilidade dos
que estão vivos (bem vivos) do que do morto.
Em primeiro lugar, da família, que não quer perder o controle da
sucessão do cabeça de chapa. Daí a carta-aberta do irmão literato.
Segundo da ex-senadora Marina Silva de olho em sua indicação oficial, na
próxima quarta-feira, como sucessora de Campos. Do Próprio PSB em
encontrar um nome a altura de substituir o nome do ex-governador na
chapa majoritária. E da coligação política local em garantir a eleição
do preposto para o governo estadual.
No fundo, a morte é um bom negócio. De um cenário pouco estimulante,
pode se fazer uma mudança eleitoral que beneficie a candidata e a
coligação estadual do PSB. Como diziam os filósofos, a morte é sempre um
problema para os vivos. Eles é quem tem de ressignificar a tragédia
para dar um novo sentido às suas vidas e ambições. E assim, quando o
cortejo fúnebre passar pelas ruas do Recife, com o esquife dos mortos,
na triste caminhada onde estarão o coração, a mente, os sentimentos de
muitos daqueles, que na frente das câmaras, se desesperam e choram como
as antigas carpideiras contratadas para se lamentar nos velórios das
cidades do interior do País.
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