MISTÉRIO ARGENTINO
Implicância com Seleção Argentina tem origem no complexo de vira-lata, que substituiu Fuleco como mascote da Copa
Implicância com Seleção Argentina tem origem no complexo de vira-lata, que substituiu Fuleco como mascote da Copa
Falando com clareza: uma das provas definitivas de subdesenvolvimento
mental consiste em torcer contra a Argentina na final de domingo.
Toda pessoa tem seu gosto e sua preferência. Os povos têm sua
identidade, sua história e sua cultura, que uns podem admirar ou não.
É claro, é legítimo torcer a favor da Alemanha, também.
Mas se é para procurar motivos para implicar com um país...
Eu me pergunto pela motivação interna, profunda, de quem diz que "não gosta dos argentinos." Seria uma forma de racismo?
A implicância de uma parte de brasileiros com a Argentina tem sua
origem num velho conhecido da Copa das Copas. Ele mesmo, o complexo de
vira-lata.
Deixando de lado, por um minuto, o 7 a 1, o único fracasso da Copa
das Copas de 2014 foi o mascote Fuleco. O verdadeiro bichinho de
estimação é o vira-lata.
Embora o Brasil tenha um PIB infinitamente maior do que o da
Argentina, e ocupe um lugar no Continente de liderança não mais
questionada, etc, etc, etc, os argentinos provocam um sentimento de
insegurança e inferioridade que acompanha muitos brasileiros.
Estes ficam felizes quando o vizinho enfrenta dificuldades. Dizem
bem-feito até para a cobiça de fundos abutres que ameaçam derrubar a
economia do país e até atingir o Brasil e outras partes do mundo.
Vira-latas têm raiva de espelhos que ajudam a mostrar algumas de suas
verdades e preferem olhar-se em imagens que confirmam seus enganos e
confortos.
Estamos falando de um vizinho que em certos aspectos ajuda a lembrar
nosso próprio atraso, o que poderia ser útil para debater a formação dos
dois países, mas nem sempre é agradável. Reformas sociais que o Brasil
sequer alcançou nos dias de hoje são uma conquista histórica dos
argentinos. Os índices de educação são infinitamente superiores. O país é
menos desigual.
Embora boa parte de sua riqueza tenha sido dizimada por delírios
liberais iniciados na ditadura de 1976 e prolongados quando o governo
Carlos Menén estabeleceu relações carnais com o império americano,
entrando numa fase de regressão em vários setores, o país não deixou de
acumular novidades que mexem com a estima – já baixa – de quem precisa
da desgraça alheia para ter certezaa de que tudo vai bem em casa.
Os argentinos acumularam quatro Prêmios Nobel. Também fizeram um
papa. Brasil é zero nestes quesitos. Tem gente que se sente menor por
isso. Pode?
Claro que pode. Essa é a esperança de quem sonha em transformar uma vitória argentina, domingo, numa derrota brasileira.
Após a derrota fora do campo, pela Copa das Copas, bem sucedida até
para investigar mafiosos dos ingressos, o que nunca se fez em nenhuma
outra Copa, nem na da Alemanha, o que se quer é estimular baixos
instintos para ganhar votos em outubro.
Honestamente... nem o mais pessimista iria imaginar um programa de
campanha tão rasteiro. Enquanto se estimula de todas as formas uma
rejeição contra os argentinos, se torce secretamente pela vitória de
Messi & seus companheiros na esperança de prejudicar Dilma Rousseff.
É com este tipo de debate político que a oposição quer chegar ao Planalto? Deve ser.
Não custa lembrar que a rivalidade entre brasileiros x argentinos (e
vice-versa) tem origem externa. Interessados desde o século XIX em
dividir para reinar na América do Sul, Estados Unidos e Inglaterra
sempre trabalharam para estimular competições inúteis e conflitos
desnecessários, jogando uns contra os outros para que a melhor parte do
butim ficasse com os outros.
Um dos ganhos da democratização ocorrida nas últimas décadas foi a
descoberta de que os dois maiores países da América do Sul só tem a
ganhar quando se aproximam. Suas economias se complementam, os mercados
têm escala e atraem investimentos. Muitos empregos brasileiros dependem
de compras feitas do outro lado da fronteira. A recíproca também é
verdadeira.
Viajando ao país por todos os meios a seu alcance, hospedando-se em
todas as alternativas de seu bolso, as centenas de milhares de
argentinos ajudaram a escrever algumas das mais belas páginas desta Copa
que termina. E é preciso muito – mas muito – complexo de vira-lata para
não perceber a importância de tudo isso.
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