Heitor
Scalambrini Costa
Professor
da Universidade Federal de Pernambuco
Analistas e articulistas econômicos tem apontado como
principais desafios do segundo mandato presidencial arrumar as contas públicas
e retomar o crescimento econômico.
Ajustar as contas públicas – na lógica econômica
predominante – significa cortar gastos. Contrário ao discurso crítico da
ortodoxia econômica na época da eleição, a presidente eleita acabou cedendo ao
mercado, e nomeou para ministro da Fazenda um alto executivo do sistema
bancário, ex-secretário de Tesouro no primeiro governo Lula, chamado na época
de “Levy mãos de tesoura”.
Como parte das medidas da nova equipe econômica para cortar
gastos e promover um ajuste fiscal, a “novidade” no final do 1o
mandato do governo Dilma, em pleno período de festas natalinas, foram às medidas
que atingiram as regras de acesso a vários benefícios sociais.
No início do primeiro mandato do governo Lula, eleito como
esperança contra a continuidade do governo neoliberal do Partido da Social
Democracia Brasileiro (PSDB), foi promulgada, como sua primeira medida, a reforma
da previdência que atingiu diretamente os trabalhadores do setor público.
Em ambos os casos, as medidas evidenciaram que os governos
eleitos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) não estavam (e não estão) assim tão
preocupados com os trabalhadores. Estas medidas, tomadas em períodos distintos,
com grande simbolismo, foram justificadas para corrigir distorções, e realizar
ajustes necessários para a retomada do crescimento econômico (para beneficiar a
quem?). Mas na verdade não se pode admitir que a filosofia de Robin Hood seja
materializada às avessas, tirando dos mais pobres para manter os privilégios
dos mais ricos.
No Brasil existem inegavelmente importantes e indesejáveis
distorções. Necessidades de ajustes e correções estão presentes nos diferentes
aspectos da vida nacional, em particular no vergonhoso fosso que divide ricos e
pobres. Mais do que meras distorções, são injustiças que deixam o país entre
aqueles de maior desigualdade social no mundo.
E ai cabe uma pergunta que não quer calar. Serão tais
medidas, como cortar gastos à custa da classe trabalhadora, que na prática
significam reduzir direitos, que conduzirão o país a uma maior justiça social?
A uma maior igualdade na distribuição de renda?
Obviamente que não. Fica claro que existe em tais medidas um
viés claro de penalizar o trabalho e a classe trabalhadora. Daí o fato de tais
medidas serem sempre bem recebidas pelos empresários e criticadas pelos
trabalhadores.
Interpretadas como medidas fiscais, visando economizar para
os cofres públicos, as medidas provisórias no 664 e 665, publicadas
no dia 30/12/14 com a justificativa de economizar R$ 18 bilhões em 2015 (o equivalente
a cerca de 70% do gasto com o Bolsa Família em 2014), modificam as regras dos
critérios de acesso a benefícios sociais como o seguro-desemprego, auxílio-doença,
pensão por morte, abono salarial e o seguro defeso para os pescadores. Estes
benefícios previdenciários são todos de interesse direto dos pobres.
Além destas primeiras medidas, outras estão a caminho, e também
afetarão a classe trabalhadora. A correção da tabela do imposto de renda é uma
delas. O reajuste de 6,5% para o ano-calendário de 2015, aprovado pelo
Congresso Nacional, não foi sancionado neste final de 2014. Será então mantida
a correção de 4,5%, a mesma que vigorou nos últimos quatro anos. O reajuste
ajudaria a reduzir a defasagem, favorecendo o contribuinte. Para o Sindicato
Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), o prejuízo do
trabalhador, acumulado desde 1996, chega a 68%. A não aprovação do reajuste representa
uma elevação indireta da carga tributária – um claro arrocho do governo sobre
os ganhos dos assalariados.
Por outro lado, medidas que poderiam aumentar a arrecadação
não são tomadas. Uma delas é o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), que
somente a União tem competência para instituir (art. 153, inciso VII da
Constituição Federal), o qual, apesar de previsto, ainda não foi regulamentado.
Esta espécie de imposto sobre o patrimônio mudaria a lógica da estrutura
tributária, pois hoje quem paga mais é o pequeno trabalhador assalariado. O
imposto de renda sobre o trabalho faz crescer a arrecadação, e os benefícios não
são sentidos. Os ricos pagam relativamente menos que os assalariados, as
grandes fortunas são taxadas com valores irrisórios – muito diferente do que
acontece em outras partes do mundo.
Outro aspecto que pune o trabalhador – sempre que se fala em
ajustar a economia – é a dívida pública. Irregularidades apontadas nunca foram
investigadas, apesar de um preceito constitucional viabilizar a realização de uma
auditoria da dívida. O que falta é vontade e decisão política.
Portanto, as primeiras medidas
do “novo governo” Dilma são o oposto do discurso, cujo slogan afirma “nenhum
direito a menos, nenhum passo atrás”. E não adianta tergiversar afirmando que
não se trata de retirar direitos e, sim, de corrigir “distorções”. Então, a
classe trabalhadora deve agir se quer tornar este um país de cidadãos mais conscientes
de seus direitos e obrigações, respeitados pelo governo.
A esperança apregoada para conquistar
mais quatro anos de governo necessita, sim, ser convertida em participação com
pressão popular. Afinal, os políticos são eleitos por nós, e cabe a nós influir
nos seus mandatos. Acompanhar como vota o político no parlamento, escrevendo
para ele, exigindo que cumpra as promessas feitas. Aí sim poderemos começar a
pensar em construir um país melhor. A esperança da mudança está em nossas mãos.
A classe trabalhadora precisa agir participando – caso
contrário, não haverá salvação.
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