Filósofo disseca uma nova língua: o marinês
247 - O
articulista Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, decidiu esmiuçar as ideias da
ex-senadora Marina Silva para investigar quais seriam suas
consequências práticas. Na sua visão, os "sonháticos" têm potencial para
transformar o Brasil num país de "pesadeláticos". Leia abaixo:
O marinês
Denis Lerrer Rosenfield*
O marinês é uma nova língua política
que se caracteriza por abstrações e fórmulas vagas com o intuito de
capturar o apoio dos incautos. Suas expressões aparentemente nada
significam, porém procuram suscitar a simpatia de pessoas que aderem ao
politicamente correto. Mas só aparentemente nada significam, pois
carregam toda uma bagagem teórica que, se aplicada, faria do Brasil um
país não de sonháticos, mas de pesadeláticos.
Marina Silva ganhou imenso
protagonismo nas últimas semanas ao ingressar no PSB do governador
Eduardo Campos, fazendo um movimento político inusitado. Ao,
aparentemente, aderir ao candidato socialista acabou roubando para ela a
cena política, como se fosse, de fato, a protagonista. De segunda
posição, a de vice, age como se encarnasse a primeira, de candidata a
presidente.
No afã de ganhar espaço midiático,
não cessa de dar entrevistas e declarações: num único dia conseguiu o
prodígio de ser entrevistada pelos maiores jornais do País, Estadão,
O Globo e Folha de S.Paulo, que fizeram manchetes dessas declarações.
Nada disse, porém não parava de falar. Vejamos algumas dessas
expressões, sob a forma de um dicionário explicativo.
Coligação ou aliança programática -
eis uma fórmula das mais utilizadas. Numa primeira abordagem,
significaria uma aliança de novo tipo, baseada em programas, e não mais
em acordos meramente pragmáticos. Seu objetivo é mostrar que as ideias
são prioritárias, não os meros interesses partidários.
Acontece que um escrutínio mais
atento dessas ideias mostra uma concepção extremamente conservadora da
relação homem-natureza, devendo ele abandonar a "civilização" do "lucro"
e do "consumo" e voltar à floresta. É como se o homem atual fosse uma
espécie de excrescência natural. A natureza é endeusada sob a forma de
um neopanteísmo, como se mexer numa árvore constituísse uma agressão a
algo sagrado.
Se há desmatamento é porque os seres
humanos precisam alimentar-se, e não por simples ímpeto destrutivo. O
Brasil, lembremos, é o país mais conservacionista do planeta: preservou
61% de sua cobertura natural nativa, além de mais de 80% da Amazônia. A
oposição de Marina à agricultura e à pecuária, se viesse a ser governo,
se traduziria por um imenso prejuízo para o País, hoje celeiro do mundo.
A candidata, quando ministra do Meio Ambiente, mostrou-se claramente
avessa ao progresso, procurando, por exemplo, de todas as formas tornar
inviável não só a comercialização dos transgênicos, mas a própria
pesquisa. Ou seja, ela se colocou contra o conhecimento científico. O
"novo" significa aqui opor-se ao progresso da ciência e ao
desenvolvimento econômico. O alegado "princípio da precaução" era nada
mais do que o "princípio da obstrução".
Digna de nota também é sua concepção
dos indígenas, como se seus direitos se sobrepusessem a quaisquer
outros. Ela tem uma aversão intrínseca ao direito de propriedade, não se
importando nem com os agricultores familiares e os pequenos produtores.
Justifica pura e simplesmente sua expropriação, devendo eles ser
abandonados. Ademais, seguindo suas ideias, os indígenas deveriam ser
consultados - na verdade, decidiriam - sobre quaisquer projetos em áreas
próximas às deles ou sobre as quais tenham pretensões de direito.
Convém lembrar que o País tem,
segundo o IBGE, uma população indígena, em zona rural, em torno de 530
mil pessoas (um bairro de São Paulo), à qual se acrescentam outras 300
mil em zona urbana. Já ocupam 12,5% do território nacional. Ora, se
todas as pretensões de ONGs indigenistas fossem contempladas, com o
apoio militante da Funai, chegar-se-ia facilmente a 25% do território.
Nem haveria índios para ocupar toda essa vasta extensão de terra.
Acrescentem-se regras cada vez mais
restritivas em relação ao meio ambiente - algumas das quais, até o novo
Código Florestal, que ela procura reverter, tinham o efeito totalitário
da retroatividade - e outras aplicações em curso de quilombolas e
populações ribeirinhas, os "povos da floresta", no marinês, para que
tenhamos as seguintes consequências: 1) O País não poderia mais
construir hidrelétricas na Amazônia, impedindo a utilização nacional dos
recursos hídricos. A oposição à hidrelétrica de Belo Monte é um exemplo
disso. 2) Ficaria cada vez mais difícil a extração de minérios,
impossibilitando a exploração de jazidas, o que produziria um enorme
retrocesso econômico e social. 3) A construção de portos e rodovias se
tornaria inviável em boa parte do território nacional, quando se tem
imensas carências nessas áreas. 4) A construção civil seria outra de
suas vítimas. 5) A agricultura e a pecuária e de modo geral o
agronegócio, os motores do desenvolvimento econômico, seriam os novos
bodes expiatórios.
Democratizar a democracia - eis
outra expressão muito bonita que encobre sua função essencial. Trata-se,
na verdade, de instituir formas de consulta que confeririam poder
decisório aos ditos movimentos sociais, que compartilham as "ideias"
marinistas. Assim, para qualquer projeto seria necessário fazer
consultas às seguintes entidades (a lista não é exaustiva): Comissão
Indigenista Missionária e Comissão Pastoral da Terra, órgãos
esquerdizantes da Igreja Católica, que seguem a orientação da Teologia
da Libertação, avessa ao lucro, à economia de mercado e ao estado de
direito; MST e afins, como a Via Campesina e outros, que seguem a mesma
orientação esquerdizante, propugnando a implementação no Brasil dos
modelos chavista e cubano; ONGs nacionais e internacionais (algumas
delas financiadas por Estados e empresas estrangeiros), como o
Greenpeace e o Instituto Socioambiental, que passariam a decidir
igualmente sobre os diferentes setores listados da economia nacional.
Palavras muitas vezes encobrem significados inusitados, sobretudo dos que se dizem puros, não contaminados pela política.
*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail:denisrosenfield@terra.com.br