Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Tentar entender o que se
passa com o setor elétrico brasileiro, significa conhecer melhor um passado
recente em que decisões errôneas foram tomadas, resultando atualmente em
tarifas caras, fornecimento e abastecimento precários, e risco crescente de
racionamento de energia. Além de um setor sem credibilidade, sem democracia,
sem competência.
Em fevereiro de 1995, teve
inicio o que ficou conhecido como a Reestruturação do Setor Elétrico, com a
aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº 8987, que trata do regime de
concessão e permissão da prestação de serviços públicos.
Iniciou assim um modelo “de
mercado”. Ou seja: a reestruturação foi baseada no preceito de que a ação
empresarial “concorrencional”, motivada pela perspectiva do lucro econômico,
aportaria ao setor elétrico, eficiência e qualidade dos serviços prestados e
tarifas módicas. A idéia que está por trás desta suposta lógica é que o lucro
seria um sinal suficiente para garantir os investimentos. Essa assertiva não é
inteiramente verdadeira, pois as empresas do setor andam ganhando “rios de
dinheiro” sim (basta acompanhar os balancetes anuais), mas seus investimentos
ficam somente nos discursos, já que o BNDES (leia-se: o tesouro nacional, o
dinheiros dos impostos) tem sido o “Papai Noel” fora de época para as empresas
do setor elétrico.
Com o racionamento de energia
elétrica ocorrido em 2001/2002, com a deterioração da qualidade do abastecimento
causado por dezenas (e centenas) de apagões e apaguinhos (interrupções no
fornecimento de energia elétrica) ao longo daquele período e com a explosão
tarifária, chega-se à conclusão, sem precisar ser um grande especialista, que o
modelo não funcionou.
Desde aquele episodio do
(longo) racionamento de energia elétrica, sem dúvida uma consequência direta
das transformações impostas ao setor elétrico, a sociedade brasileira teve a
oportunidade de um grande debate sobe o tema, para rever a política do Governo
Federal para o setor. Técnico e especialistas que se opunham ao modelo
mercantil se uniram em torno do partido político à época, o atual gestor do
Estado brasileiro, e chegaram à conclusão de que o modelo implantado deveria
ser totalmente reformulado, inclusive defenestrando os gestores daquele modelo,
com comportamentos (a)éticos que comprometia as mudanças pretendidas. Este
programa de energia foi lançado no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro em 30
de abril de 2002.
As mudanças substantivas
propostas naquele programa, pugnavam inclusive pela transformação das empresas
estatais de serviços públicos, em empresas públicas e cidadãs (empresas que não
seriam nem estatais, nem privadas, mas sim sujeitas a instrumentos e mecanismos
autônomos de controle da sociedade) não ocorreram. Chegando ao poder, como é de
práxis no Brasil, a historia foi diferente. Acabou prevalecendo para o setor a
continuidade do modelo mercantil. Eufemisticamente, este novo-velho modelo
remendado foi chamado na época de “modelo híbrido”. Inclusive acabou
prevalecendo a permanência daqueles que defendiam a continuidade do modelo
mercantil, com a justificativa de atender às necessidades fisiológicas das
alianças partidárias, ou seja: a tal da “governabilidade”.
Portanto, “tudo ficou como
Dantas no quartel de Abrantes”. Com a manutenção do modelo mercantil, houve a
criação de inúmeros encargos, uns com caráter compensatórios, outros como
subsídios, e a maioria decorrentes de custos para “alimentar” o próprio modelo.
Além da privatização das empresas do setor (100% das distribuidoras, 50% das
transmissoras e 20% das geradoras).
O que se constatou ao longo desses
anos todos é que, com tais encargos, houve uma significativa evolução para cima
das tarifas de energia elétrica. Ou seja: os “encargos de mercado” do modelo
mercantil contribuíram significativamente para a explosão tarifária.
Outra questão pertinente, e
mal resolvida pelos gestores do setor elétrico nos últimos 12 anos, foi à falta
de incentivos à diversificação da matriz energética, que baseia 80% da geração elétrica
via hidroelétricas, e 20% via termoelétricas. Ambas formas de geração
centralizada através de grandes, mega centrais, sendo necessário “exportar” esta
energia, através das linhas de transmissão, até os centros consumidores.
A culpa pela situação a que
chegou o setor elétrico brasileiro hoje, não é de São Pedro, é sim dos homens,
da ganância, da dominação do homem sobre ele mesmo. Temos condições de promover
as mudanças necessárias no modelo elétrico, que beneficie a maioria da
população, de promover as novas fontes de energia (sol e vento), de incentivar
o uso racional de energia, diminuindo assim o desperdício, de fortalecer a
inovação com o uso de iluminação e de motores mais eficientes, de regionalizar
o planejamento energético, democratizando as tomadas de decisões? São escolhas,
como foram as que nos levaram para os riscos atuais cada vez maiores de
racionamento de energia.
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