domingo, 19 de abril de 2015

Impeachment: a obsessão dos perdedores

Miguel do Rosário
MIGUEL DO ROSÁRIO
        
Com esse novo ataque pelo impeachment, baseado nas “pedaladas fiscais” do governo em 2014, vale a pena especularmos um pouco sobre o tema, sobre essa obsessão de setores das elites em burlar o sufrágio universal, tentando obter o poder via subterfúgios que não a vitória eleitoral.
É o que chamamos, popularmente, de golpe, e esse comportamento tem raízes históricas profundas.
Além disso, há tempos está claro que o golpe, dessa vez, vem do judiciário, onde a direita tem maioria, e onde a mídia de opinião goza de fortíssima influência.
Os juízes não ligam para o que o povo pensa. Mas ficam aterrorizados com o que escreverá um colunista de grande jornal, porque o ambiente que frequentam, as vernissages, os saguões dos aeroportos, os restaurantes finos, são frequentados por gente que acredita nos jornalões.
Não deveriam se importar, se fossem genuinamente democráticos, ainda mais depois da pesquisa da USP sobre os marchadeiros, que revelou o incrível nível de anafalbetismo da maioria das pessoas que deseja o impeachment da presidenta.
Mas se importam, e não são tão democráticos.
A redemocratização permitiu a renovação do legislativo e do Executivo.
O Judiciário, não.
Num primeiro momento, pensamos que a renovação geracional promoveria mudanças no Judiciário. Ingenuidade nossa. Entraram jovens, mas com mentalidade dos velhos. Trouxeram a intrepidez da juventude, que é uma coisa biológica, mas em termos de ideias, vieram com o autoritarismo da geração anterior.
O próprio sistema de seleção de juízes, alguém me explicou, realizado com apoio de entrevistas feitas por magistrados que dão aulas nas universidades, fazem com que eles escolham os jovens com o perfil mais conservador. Há pouquíssima pluralidade política no Judiciário.
O patrimonialismo se transformou e assumiu a função de força de classe, uma função que sempre teve, mas era disfarçada por interesses mais propriamente oligárquicos e familiares do que de classe.
Querem um exemplo?
Ontem, o ministro Augusto Nardes, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) saiu tagarelando na imprensa sobre as tais pedaladas fiscais da Dilma.
É incrível a despreocupação desses juízes com a estabilidade política no país. Questões políticas devem ser discutidas no congresso. E julgamentos devem ser discutidos nos autos. Jamais na imprensa.
Nardes praticamente ameaçou Dilma.
“Poderá, sim, ser responsabilizada a presidente, se ficar comprovado. Vai depender do relator e dos depoimentos dos 17 ministros e autoridades envolvidos”, declarou o ministro.
Foram duas ameaças.
Nardes também é relator das contas de Dilma em 2014, e afirmou que pretende usar as “pedaladas fiscais” em sua análise, prevista para o dia 17 de junho.
E afirma que os “recursos apresentados pelo TCU” são “manobras para tentar adiar a decisão do tribunal”.
Por aí vemos o autoritarismo do judiciário mesclar-se ao ativismo judicial e se transformar num monstro.
É um mundo onde somente a acusação tem razão.
Recursos, defesa, democracia, presunção da inocência, são sistematicamente atacados e ridicularizados.
Recursos, um instrumento milenar de defesa contra qualquer acusação, com origem no Direito Romando da Antiguidade, vira “manobra”.
E aí Augusto Nardes, um homem formado na ditadura, deputado pela Arena e, em seguida, pelo PDS, substitui os militares insubordinados de 64 e ajuda a alimentar a besta do golpismo.
Dilma foi a presidenta mais bem comportada da nossa história, em termos fiscais.
O que chamam de “pedalada fiscal”? Banco do Brasil e Caixa, bancos públicos, pagaram benefícios fiscais como Bolsa Família antes de receberem os recursos do governo federal. Mas o governo os pagou alguns dias depois, com os devidos juros.
Desde a redemocratização, os presidentes fizeram coisas muito piores, e não era para pagar bolsa família. FHC, então, pintou e bordou. Ao segurar a desvalorização cambial antes da eleição, FHC praticamente secou nossas reservas internacionais.
Pode-se fazer uma lista das “pedaladas” de Fernando Henrique Cardoso, mas era um momento em que o patrimonialismo brasileiro vivia em harmonia. Os ministros do TCU eram companheiros de família e mesa do governo. A mesma coisa vale para a mídia, amiga e irmã de um governo aliado.
O povo? O povo se danava com o pior desemprego em décadas.
As contas públicas nunca estiveram tão arrasadas. Não tínhamos reservas internacionais. Estávamos ajoelhados diante do FMI.
A inflação voltava e os salários, à diferença de hoje, não aumentavam. A Polícia Federal mantinha-se completamente manietada pela falta de recursos e mão-de-obra.
O Ministério Público ainda era o MP de um passado que hoje parece remoto: sem verbas, sem autonomia, onde os processos contra gente no poder eram sistematicamente engavetados.

E agora, Dilma, a bem comportada, que manteve a inflação dentro da meta durante seus quatro anos de governo, que conseguiu realizar as metas fiscais sem comprometer nenhum gasto social (ao contrário, ampliou despesas em saúde, educação e assistência social), que permitiu uma investigação sobre o próprio governo e partidos governistas como nunca tínhamos visto, é ela que vai sofrer impeachment?

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