Ao chamar a nova lei da mídia argentina de "bolivariana", sobrevém a dúvida sobre se a imprensa brasileira também considera "bolivariana" a Carta Real britânica, sancionada na última quarta-feira pela rainha da Inglaterra
A decisão da Corte Suprema de Justiça da Argentina de que é
"constitucional" a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, a dita
"Ley de Medios" (ou "Lei da Mídia"), aprovada em 2009 pelo congresso
argentino, gerou uma avalanche de críticas na imprensa escrita e
eletrônica brasileira, assustada com a sensação de que vai se tornando
inviável que a imprensa de qualquer nação democrática queira pairar
acima da sociedade e das leis.
A lei que hoje vigora na Argentina colocará fim a uma situação
insustentável que vigia na comunicação daquele país – situação que, em
verdade, não difere muito da que vige no Brasil, ainda que, devido ao
peso da "Globo" argentina (o grupo Clarín), por lá a concentração de
propriedade de plataformas de mídia fosse um pouco pior.
O novo marco regulatório para a comunicação na Argentina, porém, não
tem nada de inovador. Tanto quanto em qualquer grande democracia, agora,
no país vizinho, passa a vigorar forte impedimento à concentração
abusiva de plataformas de mídia, tais como um mesmo grupo de comunicação
deter propriedade de jornais, revistas, gráficas, editoras, televisões,
rádios, produtoras de conteúdo eletrônico, canais de tevê a cabo,
provedores de internet e empresas de telefonia.
Todavia, a lei da mídia argentina também contempla uma outra face da
regulação do setor, no que diz respeito a abusos dos meios de
comunicação (impressos ou eletrônicos) em relação não só à privacidade
das pessoas, mas, também, em relação a difamação, calúnia e injúria.
A grande imprensa brasileira vem qualificando como "bolivariana" a
nova lei argentina por lhe parecer inspirada na regulação inaugurada na
América do Sul pelo governo "bolivariano" da Venezuela, então governada
pelo falecido Hugo Chávez. Contudo, a lei argentina não difere das que
estão sendo feitas em toda parte do mundo.
Nesse contexto, sobrevém a dúvida sobre se a imprensa brasileira
também considera "bolivariana" a Carta Real britânica, sancionada na
última quarta-feira (30/10) por Sua Majestade Elizabeth II, a rainha da
Inglaterra, para viger em todo o Reino Unido.
Segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo, a rainha Elizabeth
II "selou a criação de mais um órgão de regulação das atividades da
imprensa britânica". O mais um se deve à multiplicidade de órgãos de
regulação das mídias naquele país.
O documento chamado pelos britânicos de "royal charter" – ou "carta
real" – foi elaborado, em conjunto, pelo governo "conservador" do
primeiro-ministro britânico David Cameron e pela oposição "trabalhista".
O jornal ainda lembra que o ato real é "um dos principais capítulos
do escândalo de 2011 que levou ao fechamento do jornal 'News of the
World', do empresário australiano Rupert Murdoch, acusado de grampear
telefones de maneira ilegal para conseguir informações".
Tanto quanto no Brasil, ou na Argentina, no Reino Unido jornais e
revistas esperneiam contra qualquer regulação. No Reino de Elizabeth II
os barões da mídia apelaram até o último minuto à Justiça para evitar a
assinatura da carta, mas tais pedidos foram sumariamente rejeitados
porque, naquele país, ninguém tem o poder de impor vontades acima das
instâncias legais, fazendo pressão, só por ter bilhões de dólares na
conta bancária.
O novo órgão regulador que está colocando a mídia britânica em
pé-de-guerra assim como na Argentina, poderá aplicar multas de até 1
milhão de libras (R$ 3,7 milhões), além de impor correções e pedidos de
desculpas por parte de jornais e revistas.
A Folha informa, também, que a "royal charter" estabelece "um código
de conduta que pede 'respeito pela privacidade onde não houver
suficiente justificativa de interesse público" e que "Qualquer pessoa
que alegar ter sido atingida por reportagens poderá acionar o órgão".
Ora, ora... O que diriam os órgãos de regulação britânicos se o
"Daily Mail", o "The Telegraph", o "The Mirror" ou o "The Times"
publicassem na primeira-página uma ficha policial falsa do
primeiro-ministro "David Cameron" ou uma acusação igualmente sem provas
de que ele teria tentado "estuprar" um garoto de 15 anos, como fez a
Folha, respectivamente, com Lula e Dilma Rousseff?
Por certo não ficaria por isso mesmo, como por aqui. Multa de um
milhão de Libras ensinaria o congênere britânico da Folha a não ser
irresponsável, mentiroso, criminoso mesmo, como foi o diário brasileiro
naqueles episódios.
Para jornais e revistas britânicos e sua lengalenga sobre censura que
emula a lengalenga latina, a regulação da mídia nas terras de Elizabeth
II "Traz risco de influência política no controle da imprensa". Como
aqui, por lá a mídia tampouco perde a mania de querer governar e
legislar: os veículos apresentaram uma espécie de "charter paralela".
Mas como o Reino Unido é uma nação civilizada e ninguém paira acima da
lei, a ideia não foi aceita.
E para garantir que a lei "pegue", apesar de nenhum veículo ser
obrigado a aderir às novas regras todos terão que aceitá-las para não
correrem maiores riscos em processos movidos pelo público que poderão
ter que enfrentar na justiça britânica, pois ela já avisa que será mais
dura com quem não se submeter às determinações do novo órgão regulador
da imprensa.
Quem imaginaria que o Reino Unido se tornaria "bolivariano" sob o
conservador David Cameron, não? Ironias à parte, a regulação da mídia
britânica se impôs porque aquela sociedade é esclarecida e sabe que um
grupelho de famílias não deve poder falar sozinho, pois tal poder ameaça
a todos independentemente de ideologias, o que explica o consenso entre
governo e oposição nas terras de Sua Majestade.
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