Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Em Pernambuco,
o mais mesquinho dos egoísmos é como o governo tem tratado mal a questão
ambiental e descuidado da qualidade de vida de sua população, pois não protege
a natureza e nem respeita as pessoas. Aqui impera o racismo ambiental.
O crédito
público associado às isenções e aos incentivos fiscais e financeiros são armas
poderosas que poderiam ser usadas para induzir um novo tipo de comportamento, exigindo
integral e verdadeira responsabilidade social das empresas que viessem a se
instalar no Estado. Quase a metade do crédito, todo de longo prazo e módicos
juros, vem de bancos públicos muitas vezes avalizados pelo governo estadual.
Logo, se o governo quisesse, outra forma de desenvolvimento (humano e social)
seria possível: bastava induzir boas práticas através de sua força econômica,
mudando os incentivos.
Ao invés
disso, o governo estadual é o maior promotor de conflitos socioambientais, como
nas remoções forçadas dos moradores para as obras da Copa, provocando também degradação
ambiental. Merece também destaque a violência praticada pela empresa pública Suape
contra os moradores nativos do território abrangido pelo Complexo Industrial
Portuário de Suape (CIPS), e o desmatamento local de Mata Atlântica, manguezais
e restingas. Somente para citar dois exemplos.
Os primeiros quatro
anos de gestão do ex-governador, agora candidato presidencial, foi uma
verdadeira catástrofe ambiental, se caracterizando como um governo autoritário,
com promessas ilusórias, sem dialogo com os setores da população (quem
participou dos seminários do Todos por
Pernambuco sabe bem como funcionou), desconsiderando completamente as
argumentações daqueles que ousaram apontar as mazelas que estavam ocorrendo em
função do crescimento econômico desordenado e predatório, particularmente com relação
ao território do CIPS. O autoritarismo aliado à completa falta de dialogo
distanciou a gestão estadual dos movimentos sociais.
Foram inúmeras medidas desastrosas adotadas em nome do
crescimento econômico, obedecendo a uma mentalidade que tem base na visão ultrapassada
do “crescimento a qualquer preço”, ignorando a dimensão sócio-ambiental. O mais
lamentável foi o Projeto de Lei Ordinária no 1496/2010 (17 de março)
enviado pelo executivo a Assembléia Legislativa (Alepe) referente à maior
supressão de mata nativa já ocorrida em Pernambuco (e talvez no Nordeste).
Inicialmente previa desmatar cerca de 1.076 hectares (equivalentes a
1.000 campos de futebol) de vegetação nativa em áreas de preservação permanente
para obras de ampliação do CIPS. Após pressão e indignação popular este
montante foi reduzido para 691 ha
(508 de mangue, 166 de restinga e 17 de Mata Atlântica).
A aprovação ocorreu mesmo com o parecer contrário da
Comissão de Meio Ambiente da Alepe, que já questionava a supressão dos 88,7 ha de mangue e restingas entre
2007 e 2008, cujas compensações ambientais não haviam sido cumpridas pela
empresa Suape, que por sucessivos anos desdenhou do Ministério Público,
assinando Termos de Ajustes de Condutas (TAC´s) que não foram respeitados.
Outro empreendimento, em nome de um crescimento econômico a
cada dia mais questionado, que resultou na agressão ao que ainda resta da
vegetação da Mata Atlântica (somente 3,5%), foi à implantação e pavimentação do contorno rodoviário do município do Cabo de
Santo Agostinho, a chamada “Via Expressa”. Dos 11,8 ha suprimidos, 2,6 ha estão localizados em áreas de
preservação permanente.
Outra decisão
também equivocada na área ambiental, que mostra claramente a inequívoco
desprezo pelo meio ambiente e pelas pessoas, foi à opção por tornar Pernambuco
um pólo de termoelétricas consumidoras de combustíveis fosseis (o vilão do
aquecimento global). A tentativa de trazer para o Estado a maior (e a mais
poluente) termelétrica a óleo combustível do mundo, anunciada pomposamente, em
julho de 2012, como Suape III (1.450 MW), foi rechaçada pela sociedade
pernambucana. Se tal construção fosse realizada, em pleno funcionamento iria
despejar, segundo cálculos preliminares, em torno de 20 mil toneladas dias de
gás carbônico (CO2). Todavia, a termoelétrica Suape II (320 MW),
construída para ser acionada apenas em situações de emergência, funciona
diariamente. Ainda na área energética/ambiental, merece destaque o interesse do
governador, agora presidenciável, pela vinda da usina nuclear, anunciada
inicialmente para o município de Itacuruba, a 512 km de Recife, no sertão, às
margens do Rio São Francisco. Com uma biografia dessas na área ambiental, no seu
segundo mandato o ex-governador tentou colorir de verde o seu governo. Para
isso cooptou seu ex-adversário, candidato do PV a governador, oferecendo-lhe a recém-criada
Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade.
Algumas ações
foram possíveis, utilizando a figura pública do ex-secretario, que atuou e
militou, até então, nas causas ambientais. Com o apoio intensivo da propaganda
e do marketing político foi divulgado alguns projetos nesta área. Foram criadas
reservas de proteção permanente “de papel”, foi lançado o projeto Suape
Sustentável (que até agora não disse para que veio), dentre algumas medidas de caráter
midiático. Além disso, foram abertas algumas portas para a projeção a nível
nacional e internacional da figura do governador como amigo da natureza, já que
a Conferencia Rio+20 se aproximava e se tinha que fazer algo pela imagem do
governo na área ambiental.
De 13 a 15 de abril de 2012, aconteceu no
Recife uma reunião denominada “Pernambuco no Clima” com o patrocínio do Governo
Estadual, da Prefeitura do Recife e da Companhia Hidroelétrica do Rio São
Francisco (CHESF). Este evento, como anunciado pelos seus organizadores, foi
uma reunião preparatória do Rio-Clima (The Rio Climate Challenge),
que ocorreria paralelo a Conferencia Rio +20, no Rio de Janeiro. Nesta reunião,
como atestou à relação de participantes, a sociedade civil organizada ficou de
fora. Marcaram presença entidades e personalidades com fortes vínculos com o
governo nas três esferas, além de personalidades e cientistas nacionais e
internacionais que contribuíram para avalizar o aspecto técnico do referido
encontro.
Para tornar Pernambuco uma das sedes dos jogos da Copa das
Confederações e da Copa do Mundo, não foram medidos esforços no comprometimento
financeiro do Estado e na tomada de medidas socioambientais injustas. Segundo a
Secretaria Geral da Presidência da República 1.830 desapropriações ocorreram, sendo 1.538 residências e 292 imóveis
comerciais, terrenos, para as obras ligadas a Copa do Mundo de 2014. A truculência das expulsões e as irrisórias
indenizações caracterizaram este triste e inesquecível episodio imposto pelo
governo do Estado. Somente a construção da Arena Pernambuco e da Cidade da Copa
resultou no desmatamento de uma área considerável do fragmento da Mata
Atlântica no município de São Lourenço da Mata, situado a 20 km de Recife. O projeto previsto da
Cidade da Copa (não executado) abrangeu uma área de 239 ha para construção de todos os
equipamentos (prédios residenciais e um hospital). A Arena, única construção
existente no local, ocupou cerca de 40
ha desse total.
Hoje a
situação não mudou. O que era já planejado na época se concretizou com o
lançamento do ex-governador como candidato a presidente. A ex-senadora e
ex-ministra do meio ambiente do presidente Lula foi incorporada na chapa que
disputará as eleições de outubro próximo. Algo de um pragmatismo exemplar na
política brasileira diante das diferenças abismais entre os pensamentos e as
ações de ambos em suas respectivas vidas públicas. Mas a politicagem brasileira
sempre nos reserva surpresas.
A Secretaria
Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade segue não mãos do partido Verde. E
este tem demonstrado o quanto é utilizado, dirigindo uma secretaria de quinto
escalão. Problemas
ambientais gravíssimos existem em todas as regiões do Estado, e a SEMAS segue o
seu caminho.
Apesar das
recentes promessas, que não são poucas, a chapa da “nova política” , como se
denominam seus integrantes, não é confiável na área ambiental. Mais recentemente
demonstrou total desrespeito a inteligência alheia, quando no dia mundial do
meio ambiente (5 de junho) a população foi convocada, pelo agora defensor da
natureza, o ex-governador pernambucano, a se manifestar através das redes
sociais contra o “retrocesso ambiental” do governo federal. A convocação tinha
sentido, mas não tinha quem a convocou.
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