Ao contrário de alguns, não sinto nenhuma vergonha de meu país
Ao contrário de alguns, não sinto nenhuma vergonha do meu país.
Não sinto vergonha dos 36 milhões de brasileiros que conseguiram sair
daquilo que Gandhi chamava de a "pior forma de violência", a miséria.
Agora, eles podem sonhar mais e fazer mais. Tornaram-se cidadãos
mais livres e críticos. Isso é muito bom para eles e muito melhor para o
Brasil, que fica mais justo e fortalecido. E isso é também muito bom
para mim, embora eu não me beneficie diretamente desses programas. Me
agrada viver em um país que hoje é um pouco mais justo do que era no
passado.
Também não sinto vergonha dos 42 milhões de brasileiros que, nos
últimos 10 anos, ascenderam à classe média, ou à nova classe
trabalhadora, como queiram.
Eles dinamizaram o mercado de consumo de massa brasileiro e
fortaleceram bastante a nossa economia. Graças a eles, o Brasil
enfrenta, em condições bem melhores que no passado, a pior crise mundial
desde 1929. Graças a eles, o Brasil está mais próspero, mais sólido e
menos desigual. Ao contrário de alguns, não me ressinto dessa
extraordinária ascensão social. Sinto-me feliz em tê-los ao meu lado nos
aeroportos e em outros lugares antes reservados a uma pequena minoria.
Sei que, com eles, o Brasil pode voar mais alto.
Não tenho vergonha nenhuma das obras da Copa, mesmo que algumas
tenham atrasado. Em sua maioria, são obras que apenas foram aceleradas
pela Copa. São, na realidade, obras de mobilidade urbana e de
aperfeiçoamento geral da infraestrutura que melhorarão a vida de milhões
de brasileiros. Estive no aeroporto de Brasília e fiquei muito bem
impressionado com os novos terminais e com a nova facilidade de acesso
ao local. Mesmo os novos estádios, que não consumiram um centavo
sequer do orçamento, impressionam. Lembro-me de velhos estádios imundos,
inseguros, desconfortáveis e caindo aos pedaços. Me agrada saber que,
agora, os torcedores vão ter a sua disposição estádios decentes. Acho
que eles merecem. Me agrada ainda mais saber que tido isso vem sendo
construído com um gasto efetivo que representa somente uma pequena
fração do que é investido em Saúde e Educação. Gostaria, é claro, que
todas as obras do Brasil fossem muito bem planejadas e executadas. Que
não houvesse aditivos, atrasos, superfaturamentos e goteiras. Prefiro,
no entanto, ver o Brasil em obras que voltar ao passado do país que não
tinha obras estruturantes, e tampouco perspectivas de melhorar.
Tranquiliza-me saber que o Brasil tem um sistema de saúde público,
ainda que falho e com grandes limitações. Já usei hospitais públicos e,
mesmo com todas as deficiências do atendimento, sai de lá curado e sem
ter gasto um centavo. Centenas de milhares de brasileiros fazem a mesma
coisa todos os anos. Cerca de 50 milhões de norte-americanos, habitantes
da maior economia do planeta e que não têm plano de saúde, não podem
fazer a mesma coisa, pois lá não há saúde pública. Obama, a muito custo,
está encontrando uma solução para essa vergonha. Gostaria, é óbvio, que
o SUS fosse igual ao sistema de saúde pública da França ou de Cuba.
Porém, sinto muito orgulho do Mais Médicos, um programa que vem levando
atendimento básico à saúde a milhões de brasileiros que vivem em regiões
pobres e muito isoladas. Sinto alívio em saber que, na hora da dor e da
doença, agora eles vão ter a quem recorrer. Sinto orgulho, mas
muito orgulho mesmo, desses médicos que colocam a solidariedade acima
da mercantilização da medicina.
Estou também muito orgulhoso de programas como o Prouni, o Reuni, o
Fies, o Enem e os das cotas, que estão abrindo as portas das
universidades para os mais pobres, os afrodescendentes e os egressos da
escola pública.
Tenho uma sobrinha extremamente talentosa que mora no EUA e que
conseguiu a façanha de ser aceita, com facilidade, nas três melhores
universidades daquele país. Mas ela vai ter de estudar numa universidade
de segunda linha, pois a família, muito afetada pela recessão, não tem
condição de pagar os custos escorchantes de uma universidade de ponta.
Acho isso uma vergonha.
Não quero isso para o meu país. Alfabetizei-me e fiz minha graduação
e meu mestrado em instituições públicas brasileiras. Quero que todos
os brasileiros possam ter as oportunidades que eu tive. Por isso,
aplaudo a duplicação das vagas nas universidades federais, a triplicação
do número de institutos e escolas técnicas, o Pronatec, o maior
programa de ensino profissionalizante do país, o programa de creches e
pré-escolas e o Ciência Sem Fronteiras. Gostaria, é claro, que a nossa
educação pública já fosse igual à da Finlândia, mas reconheço que esses
programas estão, aos poucos, construindo um sistema de educação
universal e de qualidade.
Tenho imenso orgulho da Petrobras, a maior e mais bem-sucedida
empresa brasileira, que agora é vergonhosamente atacada por motivos
eleitoreiros e pelos interesses daqueles que querem botar a mão no
pré-sal. Nos últimos 10 anos, a Petrobras, que fora muito fragilizada e
ameaçada de privatização, se fortaleceu bastante, passando de um valor
de cerca de R$ 30 bilhões para R$ 184 bilhões. Não bastasse, descobriu o
pré-sal, nosso passaporte para o futuro.
Isso seria motivo de orgulho para qualquer empresa e para qualquer
país. Orgulha ainda mais, porém, o fato de que agora, ao contrário do
que acontecia no passado, a Petrobras dinamiza a indústria naval e toda a
cadeia de petróleo, demandando bens e serviços no Brasil e gerando
emprego e renda aqui; não em Cingapura. Vergonha era a Petrobrax.
Pasadena pode ter sido um erro de cálculo, mas a Petrobrax era um crime
premeditado.
Vejo, com satisfação, que hoje a Polícia Federal, o Ministério
Público, a CGU e outros órgãos de controle estão bastante fortalecidos e
atuam com muita desenvoltura contra a corrupção e outros desmandos
administrativos. Sei que hoje posso, com base na Lei da Transparência,
demandar qualquer informação a todo órgão público. Isso me faz sentir
mais cidadão. Estamos já muito longe da vergonha dos tempos do
"engavetador-geral". Um tempo constrangedor e opaco em que se
engavetavam milhares processos e não se investigava nada de
significativo.
Também já se foram os idos vergonhosos em que tínhamos que mendigar
dinheiro ao FMI, o qual nos impunha um receituário indigesto que
aumentava o desemprego e diminuía salários. Hoje, somos credores do FMI e
um país muito respeitado e cortejado em nível mundial. E nenhum
representante nosso se submete mais à humilhação de ficar tirando
sapatos em aeroportos. Sinto orgulho desse país mais forte e soberano.
Um país que, mesmo em meio à pior recessão mundial desde 1929,
consegue alcançar as suas menores taxas de desemprego, aumentar o
salário mínimo em 72% e prosseguir firme na redução de suas
desigualdades e na eliminação da pobreza extrema.
Sinto alegria com esse Brasil que não mais sacrifica seus trabalhadores para combater as crises econômicas.
Acho que não dá para deixar de se orgulhar desse novo país mais justo
igualitário e forte que está surgindo. Não é ainda o país dos meus
sonhos, nem o país dos sonhos de ninguém. Mas já é um país que já nos
permite sonhar com dias bem melhores para todos os brasileiros. Um país
que está no rumo correto do desenvolvimento com distribuição de renda e
eliminação da pobreza. Um país que não quer mais a volta dos pesadelos
do passado.
Esse novo país mal começou. Sei bem que ainda há muito porque se indignar no Brasil.
E é bom manter essa chama da indignação acessa. Foi ela que nos
trouxe até aqui e é ela que nos vai levar a tempos bem melhores.
Enquanto houver um só brasileiro injustiçado e tolhido em seus direitos,
todos temos de nos indignar.
Mas sentir vergonha do próprio país, nunca. Isso é coisa de gente sem-vergonha.
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