Por Breno Altman, especial para o 247
As palavras finais do presidente da
corte suprema, depois da decisão que absolveu os réus da AP 470 do crime
de quadrilha, soaram como a lástima venenosa de um homem derrotado,
inerte diante do fracasso que começa a lhe bater à porta. A arrogância
do ministro Barbosa, abatida provisoriamente pelo colegiado do STF,
aninhou-se em ataque incomum à democracia e ao governo.
"Sinto-me autorizado a alertar a
nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo", discursou o
relator da AP 470. "Esta maioria de circunstância foi formada sob medida
para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por
esta corte no segundo semestre de 2012."
Sua narrativa traz uma verdade, um insulto e uma fantasia.
Tem razão quando vê risco de
desmoronamento do processo construído sob sua batuta. A absolvição pelo
crime de quadrilha enfraquece fortemente a acusação. Se não há bando
organizado, perde muito de sua credibilidade o roteiro forjado pela
Procuradoria Geral da República e avalizado por Barbosa. A peça
acusatória, afinal, apresentava cada passo como parte minuciosa de um
plano concebido e executado de forma coletiva, além de permanente, com o
intuito de preservação do poder político. Se cai a tese de quadrilha,
mais cedo ou mais tarde, as demais etapas terão que ser revistas. Essa é
a porção verdadeira de sua intervenção matreira.
A raiva de Barbosa justifica-se
porque, no coração desta verdade, está a neutralização da principal
carta de seu baralho. O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas
materiais ou testemunhais, como bem salientou o jurista Ives Gandra
Martins, homem de posições conservadoras e antipetistas. A base de sua
criminalização foi uma teoria denominada "domínio do fato": mesmo sem
provas, Dirceu era culpado por presunção, oriunda de sua função de líder
da eventual quadrilha. Absolvido do crime fundante, a existência de
bando, como pode o histórico dirigente petista estar condenado pelo
delito derivado? Se não há quadrilha, inexiste liderança de tal
organização. A própria tese condenatória se dissolve no ar. O que sobra é
um inocente cumprindo pena de maneira injusta e arbitrária.
Derrotado, Barbosa recorreu a um
insulto: acusa o governo da República de ter ardilosamente montado uma
"maioria de circunstância", como se a fonte de sua indicação fosse
distinta dos demais. Aponta o dedo ao Planalto sem provas e sem respeito
pela Constituição. Atropela a independência dos poderes porque seu
ponto de vista se tornou minoritário. Ao contrário da presidente Dilma
Rousseff, que manteve regulamentar distância das decisões tomadas pelo
STF, mesmo quando eram desfavoráveis a seus companheiros, incorre em
crime de Estado ao denunciar, através de uma falácia, suposta
conspiração da chefe do Executivo.
A conclusão chorosa de seu discurso é
uma fantasia. Não se pode chamar de "trabalho primoroso" uma fieira de
trapaças. O presidente do STF mandou para um inquérito secreto, inscrito
sob o número 2474, as provas e laudos que atestavam a legalidade das
operações entre Banco do Brasil, Visanet e as agências de publicidade do
sr. Marcos Valério. Omitiu ou desconsiderou centenas de testemunhas
favoráveis à defesa. Desrespeitou seus colegas e tratou de jogar a mídia
contra opiniões que lhe contradiziam. Após obter sentenças que atendiam
aos objetivos que traçara, lançou-se a executá-las de forma ilegal e
imoral.
O ministro Joaquim Barbosa
imaginou-se, e nisso há mesmo um primor, como condutor ideal para uma
das maiores fraudes jurídicas desde a ditadura. Adulado pela imprensa
conservadora e parte das elites, sentiu-se à vontade no papel do pobre
menino que é glorificado pela casa grande por suas façanhas e truques
para criminalizar o partido da senzala.
O presidente do STF lembra o
protagonista da série House of Cards, que anda conquistando corações e
mentes. Para sua tristeza, ele está se desempenhando como um Frank
Underwood às avessas. O personagem original comete incríveis delitos e
manobras para chegar à Presidência dos Estados Unidos, derrubando um a
um seus adversários. O ministro Barbosa, porém, afunda-se em um pântano
de mentiras e artimanhas antes de ter dado sequer o primeiro passo para
atravessar a praça rumo ao Palácio do Planalto.
Acuado e sentindo o constrangimento
de sua nudez político-jurídica, o ministro atira-se a vinganças,
recorrendo aos asseclas que irregularmente nomeou, na Vara de Execuções
Penais do Distrito Federal, como feitores das sentenças dos petistas.
Delúbio Soares teve o regime semiaberto suspenso na noite de ontem. José
Dirceu tem contra si uma investigação fajuta sobre uso de aparelho
celular, cujo único propósito é impedir o sistema penal que lhe é
devido. O governo de Brasília está sendo falsamente acusado, com a
cumplicidade das Organizações Globo, de conceder regalias aos réus.
O ódio cego de Barbosa contra o PT e
seus dirigentes presos, que nenhuma força republicana ainda se
apresentou para frear, também demonstra a fragilidade da situação pela
qual atravessam o presidente do STF e seus aliados. Fosse sólido o
julgamento que comandou, nenhuma dessas artimanhas inquisitoriais seria
necessária.
O fato é que seu castelo de cartas
começou a ruir. Ao final dessa jornada, o chefe atual da corte suprema
sucumbirá ao ostracismo próprio dos anões da política e da justiça.
Homem culto, Barbosa tem motivos de sobra para uivar contra seus pares.
Provavelmente sabe o lugar que a história reserva para quem, com o
sentimento dos tiranos, veste a toga dos magistrados.
Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.
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