Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
O
Brasil detém, sozinho, 16% do total das reservas de água doce do
planeta. Possui em seu território o maior rio e o segundo maior aquífero
subterrâneo do mundo. Além de apresentar índices recordes de chuva.
Mesmo assim suas maiores cidades sofrem racionamento, pois o Brasil não
usa nem 1% do seu potencial de água doce e as grandes metrópoles
enfrentam colapso no abastecimento deste bem tão precioso.
A
explicação é uma só: o mau gerenciamento dos recursos hídricos pelo
poder público – em todas as esferas de atuação. Não há proteção das
nascentes, que sofrem com o desmatamento, e nem dos reservatórios
naturais. Os rios estão degradados; os índices de perda de água nas
empresas são assustadores; há um desperdício muito grande por parte da
população, e na agricultura, onde ocorre mais de 70% do consumo, ainda
se utiliza tecnologias do século passado – tudo contribui para o
desperdício de água e o consumo excessivo de energia.
Obviamente
a mercantilização da água tem provocado situações surrealistas. As
empresas de água vão muito bem do ponto de vista financeiro, todavia a
população acaba sofrendo as consequências de políticas voltadas a
satisfazer os interesses dos acionistas (geralmente minoritários nas
companhias), ávidos por dividendos crescentes.
Vejamos o
caso da Compesa – Companhia Pernambucana de Saneamento – que se ocupa
com acesso à água e com o esgotamento sanitário em praticamente todos os
municípios do Estado de Pernambuco.
Criada em 29 de julho de 1971, pela lei estadual no 6307,
é uma empresa de economia mista de direito privado, vinculada ao
Governo do Estado de Pernambuco por meio da Secretaria de Recursos
Hídricos e Energéticos. Tem como acionista majoritário o próprio Governo
do Estado, que detém pouco menos de 80% das ações da companhia.
O
desempenho financeiro da Compesa é “cantado em verso e prosa” pelos
seus gestores. Apresentando faturamento crescente nos últimos anos,
hoje, mais de 1 bilhão de reais anuais. Além de lucro líquido em torno
de 100 milhões de reais, praticamente quatro vezes os resultados obtidos
em 2010.
Mesmo com estes resultados financeiros, e os
investimentos crescentes que passaram de R$ 35 milhões em 2010 para R$
735 milhões em 2013, o nível de atendimento a população é sofrível. Há
décadas, Recife e sua região metropolitana sofrem com o
desabastecimento/ racionamento de água, e com um saneamento deplorável,
justificando os altos índices de doenças em sua população, transmitidas
em grande parte pela falta de esgotamento sanitário.
Um
exemplo da má gestão diz respeito ao índice de perdas. Enquanto a média
nacional de desperdício de água tratada, devido às perdas por vazamento,
é de 35% (muito superior à média de países europeus e o Japão, que é
inferior a 5%), em Recife as perdas chegam a mais de 50%.
Com
a justificativa de aumentar a base de investimentos e de permitir
maiores investimentos, tentativas de privatização pelos governos
estaduais já ocorreram. Foram rechaçadas pela população depois do
exemplo desastroso ocorrido após a privatização da Companhia Energética
de Pernambuco, a Celpe, em 2000.
Iniciamos 2015, e mais
uma vez os problemas de fornecimento de água em Pernambuco se tornam
críticos, como se já não fossem. A chamada crise hídrica atinge em cheio
a capital pernambucana e sua região metropolitana, sem obviamente levar
em conta o problema crônico que convive os municípios do agreste e do
serão. Diante de reservatórios com pouca armazenagem de água, o governo
estadual finalmente acorda para o problema.
A primeira
atitude dos gestores, diante da própria incompetência, foi culpar São
Pedro pela escassez das chuvas. Como o Santo não pode se defender, fica
fácil esta transferência de responsabilidade. A segunda atitude, para
mostrar serviço, foi apontar soluções imediatistas, como a construção de
novas barragens e a transposição de águas, demonstrando sua
incapacidade no planejamento de ações preventivas e mesmo corretivas,
que com certeza minimizariam em muito os sacrifícios impostos à
população.
O que fica evidente com a tragédia que se
abate sobre mais de 110 municípios pernambucanos (2/3 do total),
incluídos os da região metropolitana, tem origem no descaso e na falta
de responsabilidade socioambiental daqueles que que ocupam cargos de
governo.
No caso especifico da região metropolitana do
Recife, o único reservatório no Litoral Norte que alimenta a Região
Metropolitana do Recife é a barragem de Botafogo, que atualmente conta
com menos de 15% de sua capacidade. Mesmo sendo uma área de proteção
ambiental, protegida por lei, o entorno da barragem vem sendo desmatado
há anos, com a cumplicidade dos órgãos públicos. Agora se verifica que,
mesmo para precipitações consideradas normais na região, o nível de água
do reservatório já não se recupera como antes.
Uma das
medidas a médio prazo, das mais sensatas neste caso, seria o
reflorestamento e a proteção do entorno da barragem e das nascentes que
alimentam o sistema Botafogo. Ao invés disso lemos nos jornais a sanha
economicista na discussão do trajeto do Arco Metropolitano. Sem dúvida
um empreendimento inconteste diante do caos urbano existente hoje nesta
região, e que irá minimizar o trafego na BR 101 e no grande Recife.
Alguns
gestores ligados a interesses econômicos propõem um trajeto para o Arco
Metropolitano que irá cortar justamente as nascentes que alimentam o
Sistema Botafogo, fazendo com que a rodovia passe próximo à barragem,
aumentando assim a especulação imobiliária e a ocupação do solo.
Existe
em tudo isso um desejo implícito dos gestores de plantão em tornar a
vida dos cidadãos cada vez mais difícil e insuportável. Contra isso a
única solução é a mobilização e a pressão popular, que ao longo da
história da humanidade tem se mostrado o único caminho da transformação.
É como se diz, “unidos, venceremos!”.
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