Afastamento por motivos psiquiátricos foi a segunda maior causa
Por Redação | Agência O Globo
Só quem já passou por um processo depressivo entende o que se sente. E
se é difícil compreender, mais complicado ainda é ensinar. Mais de 1.200
professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro ficaram
licenciados por depressão ou transtornos mentais em 2014. O número
corresponde a 12,5% dos 9.680 mil docentes que tiraram licença médica no
ano passado. O afastamento por motivos psiquiátricos é a segunda maior
causa, perdendo apenas para os 33% por problemas ósseos e fraturas.
Recentemente, a revista norte-americana “Child Development” publicou um
estudo feito pelas universidades da Flórida e do Arizona que mostra como
o processo depressivo dos professores também atrapalha o aprendizado
dos alunos. Os pesquisadores analisaram 27 professores e seus 523 alunos
da 3ª série do ensino fundamental, usando gravações de vídeo em sala e
observadores treinados para avaliar a qualidade do ambiente da aula.
Os alunos mais vulneráveis aos efeitos negativos da depressão de seus professores eram aqueles que já estavam com dificuldades em matemática, o que sugere que as crianças com necessidade de melhorar tinham menos probabilidade de fazê-lo quando estavam em salas de aula com docentes deprimidos. Estudantes com desempenho ruim na mesma disciplina tinha maior evolução quando ensinados por educadores sem transtornos psiquiátricos.
A professora de língua portuguesa Elizabeth da Silveira sofreu com isso em 2012, quando tirou cinco meses de licença por depressão. Ela dava aulas no ensino fundamental de uma escola estadual em Nova Iguaçu. Segundo Elizabeth, o colégio não tinha inspetores nem funcionários suficientes para conter a indisciplina dos alunos.
— Era uma escola muito complicada: turmas muito cheias, faltava água sempre, e eu não podia liberar alunos mais cedo. Trabalhávamos em condições precárias. Comecei a me deprimir e não queria mais trabalhar. Era impossível dar aula. Já estava afetando bastante o conteúdo. Tinha medo de chegar ao portão da escola. Faltei uma semana direto. Vendo que estava em depressão, procurei um psiquiatra própria e entrei de licença. O governo não me ajudou em nada — diz ela.
Após a licença, ela mudou de escola. Segue com acompanhamento psiquiátrico e psicológico, mas diz que hoje se sente melhor:
— Tenho a mesma quantidade de alunos, mas consigo fazer um bom trabalho. Meus alunos hoje aprendem mais.
De acordo com a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc), desde 2011 existe a Assessoria Técnica de Saúde e Bem-Estar para desenvolver ações com foco na melhoria das condições de trabalho, em três eixos: saúde no trabalho, segurança no trabalho e qualidade de vida no ambiente de trabalho. A secretaria diz também manter uma equipe de Saúde e Bem-Estar com 30 representantes lotados na sede e nas diretorias regionais, sendo composta por docentes e servidores com formação, na sua maioria, em Serviço Social e Psicologia.
Coordenadora do Sindicato de Profissionais da Educação do do Rio (Sepe-RJ), Beatriz Lugão diz que o número e apoio são insuficientes.
— Não é uma equipe de 30 pessoas que vai resolver esse problema numa rede de 70 mil professores. Já entramos no ano ouvindo que não vai ter merenda, verba para material e xerox. Tudo isso vai limando o dia a dia do magistério. Vai ter muita licença médica por causa disso esse ano. Antes era mais por doenças de esforço repetitivo e nas cordas vocais. Agora, foi ultrapassado por problemas psiquiátricos. — relata Beatriz.
Antoine Lousao, subsecretário de Gestão de Pessoas da Seeduc, diz que o número de profissionais é o permitido pela legislação.
— O projeto de lei que criou esse programa previa pouco mais de 40 profissionais com esse tipo de especialização. Em cada regional, que concentra cerca de 80 escolas, há um psicólogo e um assistente social. Eles fazem projetos nas unidades escolares para dar maior capilaridade. Temos programas preventivos sobre saúde mental, com vídeos institucionais e orientações da rede com um manual de cidadania — explica Lousao.
Segundo os pesquisadores Leigh McLean e Carol Connor, responsáveis pelo estudo publicado na “Child Development, “ensinar é uma das profissões mais estressantes”.
— Uma das consequências preocupantes de estresse ocupacional é que ele pode contribuir para taxas elevadas de sintomas de depressão. Nosso estudo revela algumas das implicações negativas das taxas mais elevadas de sintomas depressivos que afetam também os alunos desses professores. O estudo destaca a necessidade de sistemas de apoio à saúde mental para os educadores, não só para benefício deles, mas também dos estudantes— observa McLean.
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