Colunista Bernardo Melo Franco na Folha de São Paulo
Antes de se consagrar como escritor, Machado de Assis deu
expediente como jornalista no Senado. Repórter do "Diário do Rio de
Janeiro", ele cobria os debates de barões e marqueses sobre os rumos do
Império. Suas excelências tinham mandato vitalício e não costumavam
perder a fleuma na tribuna.
"O público assistia, admirado e silencioso", anotou o bruxo, na crônica
"O Velho Senado". "Nenhum tumulto nas sessões. A atenção era grande e
constante", prosseguiu.
Faz tempo que o Senado não lembra a tediosa casa de leis frequentada por
Machado. Depois que a capital veio para Brasília, houve até assassinato
em plenário. Em 1963, o alagoano Arnon de Mello tentou atirar num
desafeto e matou o suplente José Kairala, que nada tinha com a contenda.
Nesta terça, a Casa viveu outro dia de ânimos exaltados —felizmente, sem
armas. Cinco senadoras da oposição ocuparam a Mesa Diretora, numa
tentativa de barrar a votação da reforma trabalhista. Impedido de
assumir a cadeira, o presidente Eunício Oliveira mandou cortar os microfones, a transmissão de TV e até a luz do plenário. As rebeladas passaram seis horas no breu, onde devoraram um almoço trazido em quentinhas.
O piquete nem chegou a ser original. No ano passado, a deputada Luiza Erundina ocupou a presidência da Câmara
em protesto contra o notório Eduardo Cunha. Mesmo assim, Eunício
descreveu o ato como um perigoso atentado à democracia. "Nem a ditadura
ousou ocupar o Senado", esbravejou. O regime dos generais fechou o
Congresso e prendeu parlamentares, mas esta é outra história.
Encerrado o motim, as luzes se acenderam e o Senado aprovou a reforma trabalhista,
que retalha a CLT. Isso não ocorreu porque o governo Temer ainda tenha
alguma força, mas porque a maioria ali representa interesses dos
empresários, não dos trabalhadores. É o caso de Eunício, cujas firmas de
limpeza, transporte e segurança têm contratos de mais de R$ 700 milhões
com a União.
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