Ricardo Melo - Folha de S.Paulo
Fantasma das operações Satiagraha e Castelo de Areia da PF assombra o futuro da Lava Jato Sempre é bom lembrar. Em
1997, o jornalista Paulo Francis denunciou esquema de roubalheira na
Petrobras num programa de TV. O presidente da empresa, Joel Rennó, em
vez de tomar alguma providência, abriu um processo de US$ 100 milhões
contra Francis.
Tampouco ocorreu ao governo
de então --primeiro mandato de FHC-- realizar qualquer esforço
investigativo para coibir práticas conhecidas por gente da alta roda e
mesmo empresários medianos. Era mais fácil intimidar o jornalista com
uma multa impagável do que apurar. Como efeito colateral, o esquema
contava silenciar a imprensa em geral. Sabe-se como tudo acabou.
Foi preciso que a antiga
situação e hoje oposição saísse do Planalto, pelas urnas, para que a
roubalheira espalhada na estatal viesse a público. Ironia, não? Mas é
isso que vem acontecendo. De forma inédita, empresários desse tamanho
são investigados e detidos por ligações suspeitas com financiamento
eleitoral, pagamento de propinas e superfaturamento ancorados em
negociatas com empresa pública.
Apesar do espalhafato
costumeiro de parte da PF, é óbvio que a Lava Jato lancetou um tumor
instalado há tempos. O estrago ainda está para ser medido, tanto o
financeiro quanto o político. No pinga-pinga dos vazamentos, sobra para
quase todo mundo, de PT, PMDB e PP a PSDB e PSB. Não à toa houve
rapidinho um acerto multipartidário para impedir a convocação de
políticos acusados.
Agora vai? Ao menos duas
razões recomendam o ceticismo. A primeira está nos antecedentes. Em
operações similares, a Satiagraha e a Castelo de Areia, réus de bolso
cheio de repente viraram vítimas, delegados foram afastados e juízes,
removidos. Pagas a peso de ouro, bancas de advogados estrelados pinçaram
erros formais sem tocar no mérito das denúncias. A ponto de não se
saber qual escândalo foi maior, se o que motivou as operações ou a
missão de abafar os casos. Toda vigilância é pouca para evitar a
repetição do enredo, respeitando-se, claro, o direito pleno de defesa
(algo que nem sempre ocorre quando os réus são uns, e não outros).
A outra razão é o
envenenamento presente nas investigações. A reportagem da jornalista
Julia Duailibi dando conta do grau de partidarização da Polícia Federal
provoca frio na espinha. Trata-se de uma corporação armada, não de
profissionais liberais debatendo posições políticas. Que delegados
tenham preferências eleitorais ninguém discute. Mas o teor de suas
mensagens eletrônicas, associado ao vazamento seletivo de depoimentos
supostos ou verdadeiros, fere o limite que separa convicções ideológicas
da utilização tendenciosa de um processo oficial.
Fora de dúvida, por
enquanto, é a urgência de mudança no financiamento da política
brasileira. Sem prejuízo da ação da Justiça contra réus de culpa
provada, evidente que se vai ficar enxugando gelo a se manterem as
regras atuais.
Impressionante é notar
justamente um juiz da Corte mais alta travar uma providência que, se não
resolve, ao menos pode dar alguma transparência à dinheirama das
campanhas: a proibição do financiamento por parte de empresas. Embora a
maioria do STF já tenha se manifestado pela proibição, o ministro Gilmar
Mendes resolveu, em abril!, pedir vistas durante um prazo, ao que tudo
indica, a perder de vista.
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