quarta-feira, 29 de maio de 2019

A rua, amanhã, é minha história e minha família

POR FERNANDO BRITO  no Tijolaço

Meu pai, filho de migrantes de Alagoas, era um bancário que só virou professor porque havia uma universidade pública.

Minha mãe, filha de pintor de paredes e de uma costureira, austeros e queridos, também só pôde começar uma faculdade – e depois, já na maturidade, concluí-la – porque era pública, pois ser professora primária e criar dois filhos jamais a permitiriam pagar por isso.

Eu e meu irmão, universidades públicas. Minha filha mais velha, pós-doutora por uma universidade pública. Minha sobrinha mais velha, igual, formada numa universidade pública.

Não ir à rua amanhã seria trair a mim e trair a todos eles.

Pior, a todos os homens e mulheres, de ontem, de hoje e de amanhã que, como nós, tem, teve e terá na universidade pública a oportunidade, que infelizmente ainda é um privilégio, de aprendermos tudo: a sentir, a pensar e a trabalhar.

Mesmo os que podiam pagar, mesmo os que hoje são economicamente bem sucedidos economicamente – colegas ontem, amigos hoje e sempre, que são executivos ou ex-executivos de grandes empresas – sabem e reconhecem que se tornaram pessoas melhores naquele ambiente democrático e plural, muito mais que se tivessem vivido em gaiolas de ouro.

Fizemos, todos nós – exceção, acho eu, feita à minha mãe, do tempo em que “moças de bem” não podiam fazê-las – balbúrdias, bagunças, cervejadas, empurramos trabalhos meia-boca, seminários de fancaria, tudo o que se permite aos jovens fazer quando se despedem da irresponsabilidade e passam a ser profissionais.

Aliás, na juventude, talvez pudéssemos não perceber o quanto eram importantes aquelas escolas que, se privadas, não teríamos. Na maturidade, porém, já nem este direito temos.

Desertar do dever de defender a universidade é fugir de lutar por seus pais, por seus filhos, por seu país.

Sim, o nosso país, que não pode existir e menos ainda crescer se não houver produção de conhecimento e a ânsia de saber e de criar.

O que moveu e o que moldou minha vida, desde quando usávamos a blusa branca, com “EP” de Escola Pública bordado em linha azul, que passou pelo ensino técnico, que foi à Universidade, que me levou a Brizola e a Darcy Ribeiro, faz disso, aliás, mais que um dever. É algo tão vital como respirar e pulsar.

Nem minha escolha em ser eremita, o dia inteiro a escrever, pode servir de desculpa à omissão, à obrigação de colocar a cara e o corpo diante dos monstros que nos assombram.

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