segunda-feira, 11 de março de 2019

O Brasil não consegue substituir seus ídolos



Por Ricardo Kotscho no Balaio do Kotscho


Hebe, Pelé, Boni, Lula: O Brasil é um país sem peças de reposição.
Calma, os quatro personagens nada têm a ver um com o outro. Poderia ter citado outros, aleatoriamente.
São apenas exemplos que usei para ilustrar um tema em que há tempos venho pensando e também preocupa meu amigo Adriano Silva, que me pediu para escrever este texto: o Brasil é um país sem peças de reposição, como um velho calhambeque cubano.
Hebe faria 90 anos na última sexta-feira. Existe no horizonte da TV brasileira alguém que possa ocupar o seu lugar?
Os outros três estão vivos, mas também não deixaram herdeiros em suas áreas de atuação.
Para onde a gente olhar na atual paisagem humana brasileira, nos deparamos com um deserto de gente, lideranças e talentos que façam a diferença e saiam do lugar comum.
Vamos pegar a música, por exemplo. Depois de Chico, Caetano e Gil, Tom & e Vinicius, o que tivemos para ficar na história?
Da igreja ao futebol, dos banqueiros aos sindicalistas, do teatro à política, da televisão ao jornalismo, da advocacia ao cinema, acontece o mesmo.
Os grandes nomes lembrados em primeiro lugar são todos da segunda metade do século passado. Poucos deles sobreviveram.
Quem apareceu com autoridade para falar em nome da igreja católica depois de dom Hélder e dom Paulo?
Em lugar de Pelé, eu poderia ter citado Garrincha, mas depois deles quem poderia ser chamado de gênio do futebol? Neymar?
Se você tiver que citar o nome de um grande banqueiro, quem vem à lembrança, depois de Amador Aguiar e Moreira Salles?
Qual foi o grande líder sindical que surgiu depois de Lula? E quem sobrou para ocupar o lugar dele como líder político de esquerda?
No campo oposto, a direita ficou tão órfã de lideranças que o mercado foi buscar um capitão reformado meio esquisitão para ocupar o vazio e voltar ao poder.
No teatro, depois do Oficina e do Arena, de Guarnieri, Boal e Martinez Correa, quem?
Apareceu alguém com a genialidade de Gláuber Rocha depois dele e da turma do Cinema Novo?
Quem pode ser apontado como sucessor de Boni, nome de guerra de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o homem que inventou a televisão brasileira como ela é até hoje?
Da mesma forma, permanecem as marcas de Cláudio Abramo e Alberto Dines nos jornalões paulistas e cariocas, que eles revolucionaram nos anos 60. Vale o mesmo para o Mino Carta no ramo das revistas.
Para quem já teve juristas como Raymundo Faoro e Sobral Pinto, qual o nome do atual STF que pode ser comparado a eles? O Fux?
Antes lembrados por qualquer transeunte, quem sabe hoje os nomes dos presidentes da UNE, da CNBB, da ABI, da OAB, e por aí vai. O que restou da chamada sociedade civil?
Quando se olha, então, para o Congresso Nacional e o ministério bolsonariano, e se compara com outros tempos, dá vontade de chorar.
Não se trata de ser nostálgico ou saudosista e repetir aquele vulgar “no meu tempo era melhor”, porque eu também sou deste tempo de agora.
A falta de peças de reposição acabou nos levando à tragédia de viver num país sem lideranças, em nenhuma latitude, capazes de se confrontar com as viúvas de 1964, agora legitimadas pelo voto popular. E Lula vai completar um ano na prisão de Sergio Moro em Curitiba.
No atual desfile de fardas e togas pelo centros do poder de Brasília, tem alguém que possa ser lembrado daqui a 50 anos?
Os nomes por mim aqui citados de memória podem ser trocados por outros, à vontade do leitor, mas dificilmente vai aparecer algum mais jovem, de outra geração.
Minha geração ganhou e perdeu muitas batalhas, mas produziu lideranças respeitáveis e lembráveis, que reconquistaram a democracia e a liberdade, agora novamente ameaçadas.

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