O Ministério Público e a destruição da República, por Aldo Fornazieri
O Ministério Público e a destruição da República
Por Aldo Fornazieri, no jornal GGN
A destruição da República
Mas o Estado de Exceção de Curitiba está destruindo também
os pilares da República. Esta destruição ocorre a partir de vários
movimentos, destacando-se dois. O primeiro diz respeito à fusão entre
acusação e julgamento. O sistema processual penal moderno, desenvolvido
na Europa, particularmente na França, em substituição aos horrores da
Inquisição, estabeleceu duas atividades inapelavelmente distintas e
inconfundíveis: a atividade de acusar e a atividade de julgar. Na
Inquisição, o acusador também julgava. Este novo entendimento se deveu à
compreensão de que nunca haveria um julgamento justo se o acusador era
também o juiz.
No Estado de Exceção de Curitiba houve uma fusão, de fato,
entre acusação e julgamento. Os procuradores da Lava Jato é o juiz Moro
constituem uma mesma entidade. Os procuradores acusam e pré-julgam. O
juiz Moro acusa e julga. Além disso, eles agem em conjunto. Polícia
Federal, Ministério Público e juiz Moro se instituíram como um Comitê
Geral de Julgamento. Tudo começa pelas conduções coercitivas, pela
obtenção de delações premiadas forçadas e dirigidas segundo os
interesses do Comitê e pela emissão de sentenças que obedecem
estratégias políticas determinadas. É preciso frisar de que não se trata
de defender corruptos, mas de exigir que o Estado de Direito seja
respeitado.
O segundo movimento consiste no fato de que o Ministério
Público é um poder sem controle. E aqui há uma grave falha na
Constituição. Na República, ou todos os poderes são controlados num
sistema de freios e contrapesos ou não há República. O Estado de Exceção
de Curitiba e a Procuradoria Geral da República parecem querer afirmar
em definitivo este poder acima da Constituição. A independência
funcional do Ministério Público não pode ser absoluta, pois, na
República, não deve haver nenhum poder com independência absoluta. Se
esta independência é absoluta não há o que fazer quando o Ministério
Público viola a Constituição, agride direitos, assume posicionamentos
políticos e ideológicos e age para concretizá-los.
Os integrantes do Ministério Público não pertencem a uma
ordem de anjos e de santos inimputáveis e isentos de erros e de
imputações de responsabilidade. O poder sem controle do Ministério
Público, a exorbitância do poder e as ações politica e ideologicamente
orientadas dos procuradores exigem o estabelecimento de limites.
Infelizmente, o mais provável é que estes limites sejam impostos para
brecar investigações, que foi um dos móveis do golpe. Por isto, é
preciso travar uma batalha para que sejam estabelecidos limites
republicanos, salvaguardadas as funções republicanas do Ministério
Público. Na concepção Federalista e norte-americana de República todo o
poder deve emanar, direta ou indiretamente, do povo. Por isto, lá não
existe Ministério Público independente, sem controles e acima da
Constituição. O Ministério Público norte-americano é subordinado ao
Presidente e o Presidente está inserido num sistema de controles, freios
e contrapesos definido pela Constituição republicana.
Como diria o Federalista James Madison “se os homens
fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem
governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem
internos”. Os procuradores e o juiz Moro são homens ambiciosos,
sedentos de poder e de publicidade. Julgam-se os juízes morais da nação,
assim como os tenentistas da década de 1920. Os tenentes se tornaram os
generais de 1964. Os membros do Comitê de Exceção de Curitiba estão
imbuídos do mesmo espírito destruidor da política que era ostentado
pelos generais. Na peça que apresentaram contra Lula criminalizam atos
políticos de tomadas de decisão do presidente. Se isto for aplicado de
forma generalizada e equânime, nenhum governador, nenhum prefeito se
salvará. Seria instituído o princípio da responsabilidade penal
objetiva, o que é um direito excepcional e discricionário.
Movidos pelos seus interesses e ambições, os procuradores e
o juiz agem sem a prudência necessária e se deixam excitar pelas suas
paixões desmedidas. Tudo indica que o ato espetaculoso de Curitiba tinha
alguns objetivos políticos claros: 1) interferir no processo eleitoral,
prejudicando os candidatos progressistas; 2) arrefecer o crescente
“Fora Temer”; 3) inviabilizar uma possível candidatura Lula em 2018. No
campo da política, no entanto, paixões estimulam paixões. Num contexto
como o atual, a paixão do ódio corre solta. O Comitê de Exceção de
Curitiba parece querer a radicalização das ruas, talvez para justificar o
arbítrio judicial e a repressão policial.
Aldo Fornazieri – Professor de Filosofia Política
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