Por Kiko Nogueira no DCM
A capa da Istoé com a delação de Delcídio do Amaral, que durou menos
de sete dias, explicita a existência de dois tipos de seletividade: o
vazamento e a edição do vazamento.
Segundo a Folha e o Globo, Delcídio não entregou apenas Lula e Dilma,
como afirmou a revista em sua versão da capa da Veja dos anos 90
(“Pedro Collor Conta Tudo”).
Delcídio citou também Renan Calheiros, Edison Lobão, Romero Jucá,
Valdir Raupp e Aécio Neves. Um jornalista da casa contou ao DCM que
Michel Temer também teria sido mencionado.
Não é a primeira vez que Aécio aparece na Lava Jato. Já falaram dele o
doleiro Yousseff e o operador Carlos Alexandre Rocha, o Ceará. Aécio
não está sendo investigado.
A escolha da Istoé para receber a delação surpreendeu quem achava que
ela ainda existia. Um funcionário afirma que a editora Três “não tem
dinheiro para mandar repórter para Curitiba de ônibus”.
Segundo Janio de Freitas, isso ocorreu porque a Veja e a Época, “na
corrida para ver qual acusa e denuncia mais, costumam antecipar na
internet os seus bombardeios. A Lava Jato desejava que a alegada delação
de Delcídio só fosse divulgada na quinta-feira, véspera das ações
planejadas. A primeira etapa funcionou sem falhas, até para ‘IstoÉ’
lembrar-se de si mesma.”
No dia seguinte à chegada da publicação às bancas, policiais federais
estavam na casa de Lula cumprindo um mandado de condução coercitiva. O
impeachment ressuscitou.
Um email do dono da Editora Três, Caco Alzugaray, cumprimentando sua
equipe, é revelador em sua candura: “Hoje, como em algum dos primeiros
dias de julho de 1992, quando trouxemos o Eriberto França na capa da
IstoÉ e jogamos a pá de cal sobre o governo Collor, foi um dia histórico
pro Brasil, pra Três, pra IstoÉ, pra todos nós”, escreveu.
“Nossos dias, como os da grande maioria dos trabalhadores do Brasil
atual, não estão nada fáceis. Mas é assim, fazendo a nossa parte (e
muito bem feita como vcs estão fazendo!) é que vamos colaborar para
virarmos o jogo! De novo, no Brasil e na Três!”
Caco é amigo de Aécio. A semanal fazia uma cobertura acrítica do
governo petista até o mineiro entrar na disputa para a presidência.
Obviamente que a amizade conta só uma parte da história.
O tucano faz parte do rol dos “brothers”, como são chamados os
intocáveis da empresa. Entram nessa lista Marcelo Odebrecht, Michel
Temer, entre outros. Em entrevista ao Portal Imprensa,
a autora do furo de Delcídio, Débora Bergamasco, afirmou: “Não vi
contestações sobre a matéria, nenhuma vírgula”. Bem, precisa
olhar direito.
O caso Istoé é o ápice (por enquanto) da indústria de vazamentos de
Sergio Moro. Ele mesmo se declarou favorável a esse expediente em seu
ensaio sobre a Mãos Limpas, falando da vantagem de contar com “jornais e
revistas simpatizante”.
O que isso tem a ver com justiça? Nada. O colunista do Estadão
Eugênio Bucci, conhecido pelo estranho hábito de vestir camisas
abotoadas no colarinho sem gravata, tentou recentemente glorificar essa
prática.
“Até podemos chamar de ‘vazamento’ a informação sigilosa que desliza,
por algum motivo, para fora do âmbito de controle do poder, mas não
podemos chamar de ‘vazamento’ uma reportagem, mesmo que, para a
realização dessa reportagem, possa ter sido usado o conteúdo informativo
de um ‘vazamento’. O nome de reportagem é reportagem. Chamá-la de
vazamento é injuriá-la. Reportagem é fruto do trabalho de repórteres.”
Essa bobajada vergonhosa é desmentida, entre outras coisas, pelo
raquitismo das redações. Estamos diante de outro fenômeno jornalístico: a
publicação de documentos sem qualquer checagem, de fonte suspeita, para
coincidir com um cronograma policial, cujo único trabalho de edição é
dar um jeito de tirar os “brothers” da parada.
O chato é que eles acabam aparecendo.
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