Artigo de opinião:De olhos opacos no turbilhão do mundo
Mauro Santayana
O
engenheiro baiano José Carlos Aleluia enviou carta ao Reitor da
Universidade de Coimbra, protestando contra a concessão do título de
Doutor Honoris-Causa ao operário Luis Inácio da Silva, que, com o
apelido afetivo de Lula, presidiu ao Brasil durante oito anos. Sem
mandato, Aleluia mantém contatos com seus eleitores, mediante um site na
Internet.
Ele foi um oposicionista inquieto, ocupando,
sempre que podia, a tribuna, no ataque ao governo passado, dentro da
linha sem rumo e sem prumo do DEM. Aleluia considera uma ofensa às
instituições acadêmicas o titulo concedido a Lula, e faz referência
elogiosa à mesma homenagem prestada ao professor Miguel Reale.
Esqueceu-se, é certo, de outros brasileiros honrados pela vetusta
universidade, como Tancredo Neves. Não é preciso conhecer a teoria de
Freud para compreender a escolha da memória de Aleluia.
O
título universitário é, hoje, licença profissional corporativa. O
senhor Aleluia está diplomado para exercer o ofício de engenheiro. A
Universidade o preparou para entender das ciências físicas, e é provável
que ele seja profissional competente, tanto é assim que ministra
aulas. O título universitário certifica que o graduado estudou tal ou
qual matéria, mas não faz dele um sábio. O conhecimento adquirido na
universidade é importante, mas não é tudo. Volto a citar, porque a idéia
deve ser repetida, os versos de um escritor mais identificado com a
direita do que com a esquerda, T.S. Elliot, nos quais ele mostra a
diferença entre ser informado, conhecer e saber: Where is the wisdom we
have lost in knowledge? Where is the knowledge we have lost in
information?
O título de Doutor Honoris-Causa, sabe bem disso
o engenheiro Aleluia, não é licença profissional, mas o reconhecimento
de um saber, construído ao longo do tempo, tenha o agraciado ou não
freqüentado a universidade. O papel da Universidade não deveria ser o
que vem desempenhando – o de conferir certificados de preparação técnica
-, mas o de abrir caminho à busca do saber. O Senador Christovam
Buarque, com a autoridade de quem foi reitor da UNB, disse certa vez que
a Universidade ideal será aquela que não expeça diplomas.
Lula,
com os seus defeitos, e não são poucos, é um doutor em política. Um
chefe de Estado não administra cifras, não faz cálculos estruturais, não
prolata sentenças, nem deve escrever seus próprios discursos. Cabe-lhe
liderar os povos e conduzir os estados, e isso dele exige muito mais do
que qualquer formação escolar: exige a sabedoria que desconfia do
conhecimento, e o conhecimento que se esquiva das informações não
confiáveis.
A universidade é uma instituição relativamente
nova na História. Ela não foi necessária para que os homens, com
Demócrito, intuíssem a física atômica; com Pitágoras e Euclides,
riscassem no solo figuras geométricas e delas abstraíssem os teoremas
matemáticos; e muito menos para que Fídias fosse o genial arquiteto e
engenheiro das obras da Acrópole e o escultor que foi. Mais ainda: as
maiores revoluções intelectuais e sociais do mundo não dependeram das
universidades, embora nelas se tenham formado grandes pensadores – e sua
importância, como centro de reflexões e pesquisas, seja insubstituível.
O preconceito de classe contra Lula sela os olhos de Aleluia e os torna
opacos.
Solidário o meu autodidatismo com o de Lula, quero
lembrar o grande escritor norte-americano Ralph Waldo Emerson: um
talento pode formar-se na obscuridade, mas um caráter só se forma no
turbilhão do mundo.
É no turbilhão do mundo que se forma o caráter dos grandes homens.
Do Conversa Afiada extraído site do JB:
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