quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Lobby de procuradores contra punições é “vergonhoso”

KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA
É um desserviço ao trabalho da magistratura e do Ministério Público o lobby feito pelo procurador da República Deltan Dallagnol e outras autoridades junto ao relator na Câmara do projeto de medidas de combate à corrupção, Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Na última segunda-feira, Dallagnol e cia. estiveram com Lorenzoni para pedir a exclusão do relatório de crimes de responsabilidade para magistrados e procuradores, sob o argumento de que tal regra poderia ensejar perseguição e limitar a atuação do Judiciário e do Ministério Público.
Há motivos para que juízes e procuradores se preocupem com retaliações do Congresso Nacional, sobretudo por causa da Lava Jato. No entanto, fazer lobby pela exclusão de algum tipo de regra que puna eventual abuso de autoridade é errado. Mais: é vergonhoso vindo de quem diz combater a corrupção.
Sem dúvida, é um argumento forte sustentar que essa discussão está prosperando devido ao medo da classe política em relação às revelações das delações da Odebrecht. Retaliação do Congresso precisa ser denunciada por juízes e procuradores, mas não é desculpa para jogar um projeto correto para debaixo do tapete.
Quem faz a coisa certa não deveria ter medo de discutir uma tipificação, um texto, uma regra que tratasse, sim, de eventuais crimes de responsabilidade da parte de juízes e procuradores. O Brasil acabou de passar por um impeachment presidencial com alegação de crimes de responsabilidade cometidos por Dilma Rousseff. Deputados e senadores respondem a crimes de responsabilidade, caso o cometam. Diretores do Banco Central e de bancos públicos respondem por seus atos.
É absurdo o juiz Sérgio Moro ter divulgado uma conversa telefônica entre Dilma e Lula no mesmo dia em que ele gravou o telefonema, causando uma interferência no processo político. Na denúncia contra Lula, o procurador Deltan Dallagnol fez na televisão um julgamento sumário do ex-presidente. O ministro Teori Zavascki criticou as atitudes de Moro e de Dallagnol. E fez muito bem.
É correto tipificar crimes de responsabilidade para juízes e procuradores. Não se trata de camisa-de-força, mas de uma proteção à sociedade. Hoje, os abusos podem ser comemorados por aqueles que desejam ver um inimigo político ter seus direitos e garantias individuais desrespeitados. Amanhã, poderá ser qualquer cidadão. Poderá ser a sociedade como um todo que terá seus direitos desrespeitados.
O Ministério Público é um fiscal da lei para proteger a sociedade. Uma democracia não pode ter juízes e procuradores intocáveis. A pior ditadura é a do Judiciário, porque a esse poder cabe a última palavra para resolver os conflitos na sociedade.
É preciso impedir uma operação abafa em relação à Lava Jato. É necessário criticar essa articulação vergonhosa para dar anistia a quem praticou caixa 2, criando uma lei de impunidade seletiva. Portanto, que se denuncie a eventual intenção de retaliar da classe política, mas que se discutam temas importantes, como abuso de autoridades e supersalários nos Três Poderes. O negócio é separar o joio do trigo.
Numa democracia, não podemos ter um grupo de autoridades que seja considerado infalível. Quem não quer uma tipificação de crimes de abuso de autoridade tem receio de que não esteja fazendo a coisa certa. Quem procede corretamente não deve temer.
O procurador Deltan Dallagnol faz um pregação contra a corrupção que não combina com lobby no Congresso nem almoço em galeteria para confraternizar com o deputado a quem está pedindo um favor.
Também é uma vergonha que magistrados procurem a presidente do Supremo Tribunal Federal para se queixar da comissão do Senado que vai fazer um pente-fino em supersalários. A ministra deveria se pronunciar claramente a respeito desses supersalários e da tentativa de incorporar o auxílio-moradia aos vencimentos. Ou seja, a solução não seria acabar com o auxílio-moradia, mas adicioná-lo. Parece brincadeira, mas não é.
Há estimativas do governo federal de que os supersalários custem ao país entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões por ano, dado o impacto na União, Estados e municípios e ao número de penduricalhos no contracheque.
Governadores se queixaram ao presidente da República. Dizem que, se tentam diminuir salários do Judiciário e do Ministério Público retirando penduricalhos, sofrem retaliações.
Ora, é um absurdo que o aplicador da lei burle a lei para ganhar acima do teto salarial, que é de R$ 33,7 mil. É um bom salário para quem tem estabilidade no emprego e outras prerrogativas. Quer ganhar mais, vá trabalhar na iniciativa priva e correr o risco de ser demitido ou de ver seu negócio fracassar.
O Brasil atravessa uma forte crise fiscal. Está sendo aprovada no Congresso uma regra orçamentária draconiana, a chamada PEC do Teto. As corporações se articulam para ficar com fatias do bolo em detrimento dos mais pobres. Encontrar brechas na lei para se apoderar dos recursos públicos de forma indevida é uma forma de corrupção.

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