Jair Bolsonaro. Foto: BRENDAN SMIALOWSKI/AFP |
POR RICARDO KOTSCHO
Ao tomar posse, Bolsonaro não tinha um programa de governo, mas uma lista de vinganças, como escrevi aqui dias atrás.
Em sua ofensiva mais ousada e temerária até agora, na terça-feira o capitão reformado partiu para cima dos generais que o expulsaram do Exército, por atos de indisciplina, quando era um desconhecido tenente de 33 anos.
Numa só tacada, logo cedo o presidente se colocou claramente ao lado de Olavo de Carvalho, o autoproclamado “ideólogo” da família Bolsonaro e, na hora do almoço, no QG do Exército, comunicou aos generais que vai cortar 44% do orçamento das Forças Armadas.
Para combater o “marxismo cultural”, outro alvo do seu programa de vingança, cortou 30% das verbas das universidades e institutos federais.
Pelo seu temido Twitter e com a Bic presidencial na mão, orientado pelos seus filhos tuiteiros e o escatológico guru, Bolsonaro mira nas instituições nacionais, uma a uma, para criar o caos.
Depois de asfixiar o IBGE e detonar o censo de 2020, o capitão reformado resolveu no mesmo dia decretar o fim do Estatuto do Desarmamento, que tinha sido aprovado por plebiscito.
Agora até jornalistas, advogados e caminhoneiros poderão andar armados pelas ruas neste faroeste de terra sem lei agora legalizado.
Cercado de sorridentes cupinchas, fazendo arminha com os dedos no Palácio do Planalto, Bolsonaro reviveu os dias de glória da campanha eleitoral em que ameaçou “metralhar a petralhada” em comício no Acre.
Calou os generais, que agora respeitam obsequioso silencio, mas liberou o caçador de ursos da Virgínia para continuar ofendendo os militares em nome da “liberdade de expressão”.
Se alguém ainda tinha dúvidas, Bolsonaro já deixou bem claro de que lado está, governando unicamente para os milicianos da internet.
Esta tropa de choque de seguidores fanáticos garantia-lhe 20% dos votos nas pesquisas presidenciais, antes da facada de Juiz de Fora e da cassação da candidatura de Lula pela “justiça da Lava Jato”, com o apoio do STF, do TSE e da mídia grande.
Se nada disso tivesse acontecido, Lula, que naquela altura tinha 40% nas pesquisas, poderia ter vencido no primeiro turno, e o país não passaria por tantos vexames e desatinos.
Nas próximas pesquisas de avaliação do governo, a seguir nesta marcha, Bolsonaro poderá voltar a ficar apenas com os mesmos 20% que o apoiavam antes da facada.
A aliança de ocasião com os mercadistas liberais de Paulo Guedes, que ajudou na eleição com recursos a granel, tem prazo de validade: a aprovação da reforma da Previdência.
A partir daí, sem a tutela dos generais e os compromissos com a turma de Guedes, o Brasil vai conhecer de fato o que é um governo alucinado de extrema direita, comandado por um ex-militar despreparado e tosco, que só quer se vingar de todo mundo, como aquele alemão enlouquecido de triste lembrança que botou fogo na civilizada Europa.
Da até pena de ver o jogral ensaiado pelos comentaristas globais e outros “especialistas” nos canais concorrentes da rede bolsonariana, tentando justificar os desvarios do capitão porque ele está apenas “cumprindo promessas de campanha”.
Esse é o problema: se ele cumprir todas as suas promessas, sem ninguém para impedi-lo, acaba o Brasil.
Qual será o próximo alvo da vingança? Depois de implodir a Educação e a Cultura, a Saúde e o Meio Ambiente, o emprego e a renda dos trabalhadores, o que falta ainda?
Se em pouco mais de quatro meses de governo, Bolsonaro já conseguiu esta proeza de autodestruição de um país, a Constituição que se cuide. Pode ser a próxima vítima.
Sem freios, nada impedirá o piloto do trem-fantasma de mandar Sergio Moro e outros notáveis juristas prepararem um novo texto constitucional para se adaptar aos seus desígnios.
Vida que segue.
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