sexta-feira, 30 de março de 2018

Ex-ministro de FH: intervenção é eleitoreira e inócua


POR FERNANDO BRITO no Tijolaço


Do ex-ministro dos Direitos Humanos do Governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro, no UOL:

Essa intervenção federal-militar não podia ser mais desastrada, ineficiente e autoritária. Por que desastrada? Porque este é um ano tampão desse governo. E o Rio de Janeiro está longe de ser o estado com maior número de homicídios ou, por exemplo, de mortes pela PM [Polícia Militar], comparativamente em relação à população. É que o Rio é a antiga capital [federal], tem certo mito, então o governo escolheu para fazer essa intervenção federal ali.

É inócua porque não vai ter nenhuma condição de lidar com o crime organizado. Eu vi outras intervenções no Rio com tanque na rua. Não adianta pôr tanque na rua. É para a galera, para fazer de conta que estão fazendo alguma coisa. As Forças Armadas não têm nenhuma competência para lidar com a criminalidade ou a criminalidade organizada.

Por que autoritária? Porque se dá nas comunidades de favela, onde moram os brasileiros de menor renda e quase a maioria afrodescendentes. Então, é um lugar onde estão, segundo as categorias do censo, os pretos e os pardos. E ali 95% dos moradores são gente respeitadora da lei, são cidadãos. Por isso, essa intervenção se articula com o apartheid [segregação social institucionalizada], que é centenário em relação aos morros do Rio, as comunidades, desde que elas foram instaladas.

E você evidentemente não vai fazer [nos bairros ricos] como o Exército começou a fazer [nas comunidades]: fotografia dos consumidores da [avenida] Vieira Souto, do Leblon e da avenida Atlântica [localidades ricas da zona sul carioca]. Ninguém pensa.
Então, a intervenção tem essas características e está fadada ao insucesso. Não vai absolutamente trazer nenhuma melhoria para a segurança pública no Rio e é medida marqueteira até as eleições por um governo que mal tem 6% de aprovação [segundo pesquisa do Datafolha]. E é esperança para a população das comunidades, que vive entre o terror da polícia e do crime mais ou menos organizado.

Porque, quando falam em crime organizado na favela, é uma piada, porque os organizadores não estão [ali]. Aqueles são pés de chinelo intermediários, os traficantes moram na Barra [da Tijuca, bairro rico da zona oeste do Rio] ou em Miami [EUA]. Sim, são quadrilhas armadíssimas agora, mas chamar aquilo de crime organizado é um exagero. Na verdade, têm um nível de organização muito limitado e impondo pelas armas o terror às populações. 

O que ocorre, e eu li pesquisas, é que 75% da população do Rio aprova. Bom, aprova porque há desespero grande em relação à criminalidade, ao estado dos homicídios, e é natural que a população espere que uma intervenção com esse teor possa ter efeito positivo. Mas não vai ter. É uma intervenção oportunista, marqueteira e eleitoreira.

Nenhum choque ou guerra funciona. O que funciona: infiltração dentro da lei. Você tem que se infiltrar nessas organizações. E não é muito difícil de se infiltrar nessas organizaçõezinhas de pés de chinelo. É preciso tempo, dedicação. Em segundo lugar, para onde vai esse dinheiro [do tráfico de drogas e de armas]? Onde é lavado? É lavado nas praças do Rio e de São Paulo. Com Miami [EUA], são os maiores centros lavadores de dinheiro nas Américas. Há utilização de empresas de ônibus, lavanderias. Tudo isso dá para lavar. Mas o combate a isso não se faz.

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