Miriam Cordeiro, no programa eleitoral de Fernando Collor, também
apareceu repetindo denúncias sem provas no Jornal Nacional; o dia da
despedida de FHC (ao lado de Ruth) e Mirian Dutra no Globo Repórter, em
1994, uma de suas raras aparições como repórter em Portugal, depois do
exílio
por Luiz Carlos Azenha no blog Viomundo
As últimas horas foram tragicômicas, pelo esforço dos fãs do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em desqualificar Mirian Dutra e o
próprio debate que ela gerou ao dar entrevista para a revista Brazil com Z, da Espanha — mais tarde, acrescentou detalhes falando à Folha.
Isso, ainda que FHC tenta admitido a existência do contrato fictício da empresa Brasif.
Que eu tenha lido, disseram que ela recebeu dinheiro do PT para
mentir, que é uma tentativa de tirar o foco do triplex e do sítio
respectivamente visitado e frequentado por Lula, que ela age movida pelo
ódio típico de uma ex. Num país machista como o Brasil, eu não
estranharia nem se dissessem que Mirian seduziu FHC e enredou o pobre
senador, 30 anos mais velho do que ela, numa armadilha com o objetivo de
extorquí-lo continuamente.
Triste, né? FHC, um sociólogo que se dizia de esquerda e foi casado
com a antropóloga Ruth Cardoso, defendido pela turma que culpa mulher
pelo estupro.
Os dois — FHC e Mirian — tiveram um relacionamento duradouro, cujos
detalhes são assunto estritamente privado. Mirian apresentou o seu lado
da moeda e FHC está certo ao não travar um debate público sobre isso.
Podemos deixar a hipocrisia de lado?
Quantos homens e mulheres — de poder ou não — têm seus flings, casos, namorados, amantes e assim por diante?
Não foi um orgulho para os franceses o fato de o presidente François
Miterrand ter sido enterrado na presença da mulher e da amante?
Hillary Clinton, nos Estados Unidos, um símbolo feminista para parte
do eleitorado, não engoliu as patéticas escapadas do Bill para preservar
sua própria carreira política? Quem somos nós para julgar?
Porém, não me parece “assunto pessoal” quando um homem poderoso, um
senador que tem ao seu lado o PIB e a mídia do Brasil, decide comprar o
silêncio de uma ex-namorada.
Mirian decidiu ter o filho (pouco importa de quem).
Vocês já se colocaram no papel dela, uma jornalista que estava
prestes a ter o segundo filho? Que mãe não sacrificaria sua vida pessoal
— que foi o que ela fez — para ter condições de dar o melhor aos
filhos? Enquanto isso, FHC preservou sua carreira!
Espantoso, na verdade, é a conspiração de silêncio que, em nome da
candidatura de FHC ao Planalto, ocorreu. Com a conivência pessoal e,
pior, institucional, daqueles que mais tarde se beneficiariam das
políticas de FHC.
Mirian denunciou que foi levada a dar uma entrevista falsa à revista Veja. E ela não mentiu. Leiam que coisa patética a nota publicada pela coluna Gente da revista Veja, segundo a jornalista engendrada por FHC com o diretor da Veja Mário Sergio Conti, aquele que “entrevistou” o Felipão:
Sim, sim, eu sei: Mirian poderia ter se negado a mentir. Mas, com uma
filha de 8 anos — e grávida — quem era a parte frágil na história?
A Globo divulgou hoje, no Jornal Hoje, uma nota:
A TV Globo não interfere na vida privada de seus colaboradores.
Esclarece, porém, que jamais foi avisada por Miriam Dutra sobre o
contrato fictício de trabalho e que, se informada, condenaria a prática.
A emissora informa ainda que em junho de 2004 (e não em 2002) o
contrato de colaboradora de Miriam Dutra foi alterado, com mudanças em
suas atribuições, o que acarretou nova remuneração, tudo segundo a lei
vigente no país em que trabalhava. Por último, a TV Globo jamais foi
informada por Miriam Dutra sobre seu desejo de regressar ao Brasil. Ao
contrário, ela sempre manifestou o interesse de permanecer no exterior.
Durante os anos em que colaborou com a TV Globo, Miriam Dutra sempre
cumpriu suas tarefas com competência e profissionalismo.
Tudo, de fato, é discutível, menos a afirmação de que a empresa “não interfere na vida privada de seus colaboradores”.
Sem mais, nem menos, Mirian foi despachada para Portugal? Ela assume que pediu a transferência, mas a Globo não sabia o motivo?
Não faz sentido a emissora abrir mão de uma repórter em Brasília e
continuar pagando o salário dela sem que ela ralasse tanto quanto os
outros correspondentes. Isso não existe!
Depois, Mirian foi transferida para Barcelona, segundo Palmério Dória por influencia de Alberico Souza Cruz, o todo-poderoso do jornalismo da Globo na época.
Mas, vamos combinar? A Globo NUNCA teve escritório,
nem correspondente na Espanha. Criou um, de repente, para acomodar
Mirian? Pagou a ela 7 mil dólares mensais de salário até 2004 (na versão
da Globo) sem que ela tivesse uma presença constante, quase diária, no
ar?
Eu fui correspondente da Globo em Nova York. Todo dia tinha trabalho, muito trabalho.
Palmério Dória, em artigo anterior, já havia estimado o “custo do exílio”:
FHC, quando era ministro da Fazenda, isentou de CPMF todos os
meios de comunicação. Em 2000 houve o Proer da mídia, que custou entre
US$ 3 e US$ 6 bilhões aos cofres públicos. Ele também mudou a
Constituição para permitir que a mídia brasileira, então falida, pudesse
contar com 30% de capital estrangeiro. E autorizou que o BNDES fizesse
um empréstimo milionário à Globo.
Sobre abortos: sim, é um assunto pessoal.
Mas, que fique o registro: muita gente da classe média para cima
torce o nariz para o tema por causa da culpa de ter feito ou bancado o
aborto alheio. Enquanto isso, mulheres pobres morrem por causa da
hipocrisia dos que falsamente se dizem engajados em “preservar a
família”.
FHC nunca foi hipócrita neste assunto. Ele perdeu uma eleição para
prefeito de São Paulo para o carola Jânio Quadros entre outros motivos
por não dizer claramente, em um debate, que acreditava em Deus. Se fez
algo incomum em campanhas, como montar num jegue e dizer que tinha “um
pé na cozinha”, não foi muito além do que fazem outros políticos para
ganhar votos.
O mesmo, no entanto, não se aplica à hipocrisia da Globo.
Em 1989, Roberto Marinho apoiou abertamente a candidatura de Fernando
Collor de Mello contra Lula. Dedicou até um Globo Repórter ao “caçador
de marajás”.
Na reta final, Miriam Cordeiro apareceu na propaganda oficial de
Collor, acusando Lula — que na época do namoro não era casado — de ter
pedido a ela que abortasse a filha Lurian e sugerindo que o candidato do
PT era racista (ver vídeo abaixo).
No dia seguinte, o Jornal Nacional “repercutiu” o assunto,
ou seja, deu asas a um tema que favorecia Collor, ainda que com a
suspeita de que o depoimento tivesse sido comprado. Na descrição da própria Globo:
No Jornal Nacional do dia seguinte, os dois lados foram ouvidos. A jornalista Maria Helena Amaral, ex-assessora de Collor, denunciou que Miriam Cordeiro havia recebido dinheiro do PRN para aparecer no programa eleitoral do partido. Mas a ex-namorada de Lula disse que participou do programa espontaneamente e confirmou as denúncias contra o candidato do PT.
Uma forma tinhosa de promover o assunto com “equilíbrio”.
Miriam Cordeiro negou ter recebido 200 mil cruzeiros novos para fazer
a denúncia, mas confirmou ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho que
estava por conta da campanha de Collor, 45 dias depois dele ter sido
eleito!
A Globo ainda defendeu, em editorial de O Globo, no dia do debate final entre Collor e Lula, que os brasileiros tinham o direito de saber detalhes da vida pessoal dos candidatos.
O jornal dos Marinho apresentou Collor, que usara o depoimento de Miriam Cordeiro no programa eleitoral, como vítima de Lula!
Confiram um trecho:
Nos Estados Unidos, por exemplo, com freqüência homens públicos
vêem truncada a carreira pela revelação de fatos desabonadores do seu
comportamento privado. Não raro, a simples divulgação de tais fatos os
dissuade de continuarem a pleitear a preferência do eleitor. Um nebuloso
acidente de carro em que morreu uma secretária que o acompanhava
barrou, provavelmente para sempre, a brilhante caminhada do senador Ted
Kennedy para a Casa Branca – para lembrar apenas o mais escandaloso
desses tropeços. Coisa parecida aconteceu com o senador Gary Hart; por
divulgar-se uma relação que comprometia o seu casamento, ele nem sequer
pôde apresentar-se à Convenção do Partido Democrata, na última eleição
americana. Na presente campanha, ninguém negará que, em todo o seu
desenrolar, houve uma obsessiva preocupação dos responsáveis pelo
programa do horário eleitoral gratuito da Frente Brasil Popular de
esquadrinhar o passado do candidato Fernando Collor de Mello. Não apenas
a sua atividade anterior em cargos públicos, mas sua infância e
adolescência, suas relações de família, seus casamentos, suas amizades.
Presume-se que tenham divulgado tudo de que dispunham a respeito. O
adversário vinha agindo de modo diferente. A estratégia dos
propagandistas de Collor não incluía a intromissão no passado de Luís
Inácio Lula da Silva nem como líder sindical nem muito menos remontou
aos seus tempos de operário-torneiro, tão insistentemente lembrados pelo
candidato do PT. Até que anteontem à noite surgiu nas telas, no horário
do PRN, a figura da ex-mulher de Lula, Miriam Cordeiro, acusando o
candidato de ter tentado induzi-la a abortar uma criança filha de
ambos, para isso oferecendo-lhe dinheiro, e também de alimentar
preconceitos contra a raça negra.
Um salto de 1989 para 2012.
A vida privada de Lula foi considerada “noticiável” pela revista Época, dos irmãos Marinho, que escalou sete repórteres — SETE! — para fazer uma denúncia baseada em suposições.
Rosemary de Noronha nunca assumiu ter tido um caso com Lula, nem
divulgou documentos comprometedores. Ainda assim, virou notícia em toda a
mídia!
Voltem comigo, agora, no tempo.
Vejam como FHC descreveu o dia em que deixou o poder, em 2003, numa entrevista a Mário Sabino, da Veja:
Depois da cerimônia, rumamos, eu e Ruth, para o aeroporto, onde
muita gente amiga nos esperava para a despedida. Foi aí que a emoção
mais pessoal começou. Abracei assessores que haviam trabalhado comigo
durante oito anos seguidos, que faziam parte do meu cotidiano.
Embarcamos, então, para São Paulo, ainda no avião presidencial. Ao
chegar, troquei de roupa e seguimos para o avião comercial que nos
levaria a Paris. Nesse momento, relaxei, tive uma sensação boa de dever
cumprido – tanto no plano institucional como no individual. (…) Dormi,
então, a minha primeira noite de mortal comum. No dia seguinte, eu e
Ruth fomos a Chartres sozinhos, para visitar a esplêndida catedral
gótica – um passeio maravilhoso em todos os aspectos, mas principalmente
pelo fato de não estarmos mais acompanhados de comitiva, seguranças e
repórteres. Recuperei, enfim, minha privacidade. Em Paris, também
dispensei os serviços que a embaixada queria me prestar e voltamos a
andar de metrô, como sempre fizemos. Uma delícia – e com um efeito muito
didático. Porque uma coisa é o Planalto; outra é a planície. Na
planície, você é promovido a povo.
Ou seja, FHC aproveitava Paris na condição de “povo”, acreditando ter um filho — um filho! — exilado na Europa.
A essa altura, Mirian era bancada pelo salário da Globo.
Mais tarde, conta, precisou de um complemento, pago por um empresário.
O empresário a que Mirian Dutra se refere é Jonas Barcellos, que mais
recentemente deu caronas em seu avião para Lula — e foi denunciado por
isso.
Numa entrevista à revista Veja, publicada em abril de 1999, Jonas admitiu que seus amigos eram “um ativo oculto”.
Dentre eles, Jorge Bornhausen, que foi vice-presidente da Brasif e comandou o PFL durante o governo FHC.
Segundo Mirian Dutra, o pefelista Antonio Carlos Magalhães, aliado de
Bornhausen, ligado à Globo e todo-poderoso nos bastidores do governo
FHC, recomendou a ela que não voltasse ao Brasil.
Conhecendo os bastidores do poder como ela, Mirian, conhecia — tinha
sido repórter de política em Brasília –, como enfrentar um presidente da
República, a emissora mais poderosa do Brasil — que dava a ela um
salário — e o trator ACM, ainda mais tendo dois filhos para criar?
O fato documentado e inescapável é o seguinte: FHC acreditava ter
tido um filho com Mirian, que por sua vez assinou um contrato de fachada
com a Eurotrade/Brasif para receber pagamentos via paraíso fiscal.
FHC disse a ela que era dinheiro pessoal, dele. Foi remetido do
Brasil, via Banco Central? Ou saiu de uma conta no Exterior? A conta,
que ele admite ter em Madri, foi declarada ao imposto de renda?
O documento divulgado por Mirian reforça a versão segundo a qual um
presidente da República, no exercício do poder, negociou com uma empresa
que detinha uma concessão do governo, a Brasif, o pagamento de um
salário falso para a ex-namorada. Um cala-boca.
O contrato entre Mirian Dutra e a Eurotrade/Brasif foi assinado no dia 16 de dezembro de 2002.
Faltavam duas semanas para o presidente FHC deixar o Planalto.
Se a versão de Mirian é verdadeira, FHC teve de pedir o favor a Jonas Barcellos, o dono da Brasif, algum tempo antes de o contrato ter sido assinado.
Com um detalhe importante, mencionado pelo Luís Nassif: os negócios de Jonas Barcellos floresceram nos dois mandatos de FHC.
Por muito menos, Bill Clinton quase sofreu impeachment nos Estados Unidos.
Como o caso de Mirian Dutra só aflorou agora, mais de 25 anos depois do namoro, obviamente não terá impacto retroativo.
O fato é que, com a ajuda da Globo, uma das Mirians derrotou Lula em
1989; e, com a omissão e/ou acobertamento da Globo — e da mídia em geral
— FHC se elegeu presidente em 1994.
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