Bernardo Mello Franco - Folha de S.Paulo
O
historiador Sérgio Buarque de Holanda escreveu que a democracia no
Brasil "sempre foi um lamentável mal-entendido". A frase ganhou novo
sentido na noite de segunda, quando seu filho Chico virou alvo de
ofensas numa rua do Leblon. O
artista foi hostilizado por um grupo de jovens ao sair de um
restaurante em que jantava com amigos. Alguém filmou a abordagem com o
celular e jogou o vídeo na internet.
"Você
é um merda", diz um dos homens, encorajado por alguns chopes a mais.
"Quem apoia o PT o que é?", ele pergunta. "É um petista", responde o
artista, sem elevar a voz. "É um merda", rebate o agressor.
Em
outra passagem, um rapaz grita: "O PT é bandido!". "Eu acho que o PSDB é
bandido. E agora?", devolve Chico. Em vez de argumentar, o provocador
sai pela tangente. "Não tô defendendo partido, mas o PT é bandido. Odeio
política", desconversa.
Apesar
das ofensas, o filho de Sérgio Buarque se mantém cordial. Sorri, aperta
mãos, pergunta os nomes dos jovens. Um deles é rapper e ex-namorado de
uma atriz global. Outro é filho do playboy Alvaro Garnero.
No
fim da discussão, o líder do grupo faz a última tentativa. "Para quem
mora em Paris, é fácil", ele afirma. O artista vive no Leblon, a poucos
minutos a pé do restaurante.
O
cineasta Cacá Diegues estava entre os amigos que jantaram com Chico. No
fim da ditadura militar, ele cunhou a expressão "patrulha ideológica"
para criticar militantes de esquerda que tentavam desqualificar quem não
compartilhava suas ideias.
Agora
é a nova direita verde-amarela que recorre ao discurso do ódio contra
políticos e intelectuais identificados com o PT. No caso mais
lamentável, o ex-ministro Guido Mantega foi hostilizado quando
acompanhava a mulher em um hospital.
Xingar
e agredir quem pensa diferente é um comportamento autoritário, próximo
do fascismo. Confundir isso com democracia não passa de um lamentável
mal-entendido, para usar as palavras do historiador.
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