Heitor
Scalambrini Costa
Professor
da Universidade Federal de Pernambuco
O Brasil é um país fantástico. Governantes
são transformados em excelentes gestores, gênios e salvadores da pátria, da
noite para o dia. Uma eficaz máquina de propaganda faz milagres.
Temos ao longo da nossa história diversos
exemplos. O mais recente é o governador de Pernambuco, um quase futuro presidenciável
em 2014. Caso jamais venha a ser presidente da República, ele terá como ganhar
a vida como empresário de mídia & marketing, tal sua capacidade de criar
notícias positivas que enchem os noticiários.
O uso da máquina de propaganda é tão
desproporcional, que cedo ou tarde vai chamuscar sua credibilidade. Por
exemplo, até em velórios e enterros a produtora de vídeo acompanha o
governador, e produz as peças de divulgação do “socialista”. Foi o caso de sua
presença (da produtora) no velório e no enterro do ex-ministro da Justiça
Fernando Lyra. Para destacar o “chefe”, não se mede esforços, nem se tem
limites.
Para divulgar o modo socialista de governar, a
propaganda é a alma do negócio, e é usada intensamente. No próprio Diário
Oficial do Estado, que deveria ser um instrumento de difusão de atos oficiais,
a pessoa do governador é focada, com textos de promoção pessoal, sem caráter
informativo. Não se acatando assim a impessoalidade na publicidade
institucional. Leis? São para os outros.
A propaganda personalista dos feitos da
gestão Campos é tamanha, que chega a ser surrealista, visto a realidade que se
encontra o Estado. Para muitos ainda as referências de desenvolvimento apontam
para o Sul, Sudeste. Somos induzidos a pensar que o desenvolvimento está ligado
a eventos como à chegada de novas empresas que vêm aqui se instalar, a vinda de
capitais de fora que para cá se dirigem atraídos por diversos fatores (recursos
naturais, posição geográfica, oferta de mão de obra barata, incentivos fiscais,
frouxidão na aplicação da legislação ambiental) ou ainda pela realização de
grandes investimentos públicos em obras ou instalações. Mas o progresso
almejado vai muito além das obras.
Com uma educação, que nada se distingue de
estados vizinhos, a propaganda apresenta ações pirotécnicas, que nada mudou a
estrutura falida, que compromete as gerações futuras. Vergonhosamente
Pernambuco ocupa a 16ª posição nacional no ranking dos estados no que se refere
às notas dos alunos das escolas públicas avaliados pelo Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado para medir a qualidade de
cada escola e de cada rede de ensino.
Uma saúde, cujo modelo gerencial é
incompetente. Verdadeiro “caso de policia”, e que deixa a população vitima da
terceirização, sofrendo nas extensas filas, sem remédios para quem precisa, e com
a falta de médicos. Todavia com ampla divulgação de novas construções de
unidades hospitalares, mas que efetivamente, após a “inauguração”, se mostram inoperantes,
não atendendo as necessidades da população, e nem garantindo o acesso à saúde
pública de qualidade. A construção de edificações está muito longe de
traduzir em excelência nos serviços.
Por sua vez, os serviços de água e luz no
Estado são verdadeiros descalabros e de desrespeito à população. A crise no abastecimento de água mostra a
incompetência das autoridades do setor, em particular da Companhia Pernambucana
de Saneamento (Compesa), sociedade anônima de economia mista, com fins de
utilidade pública, vinculada ao Governo do Estado de Pernambuco por meio da
Secretaria de Recursos Hídricos e Energéticos. A imagem desta empresa junto à
população é a pior possível. Nesta época de escassez de chuvas, mostra o quanto
sua gestão é incapaz, pois em nada planejou para enfrentar problemas
recorrentes e previsíveis na região. E que só tendem a se agravar com as
mudanças climáticas em curso. Estudos têm apontando a vulnerabilidade da região,
frente a este que é o maior flagelo já defrontado pela humanidade, o
aquecimento global. Ao invés do planejamento estratégico para se preparar para
o pior, a empresa, como é de práxis no governo socialista, apela para a
propaganda, e pela desresponsabilizacão, admitindo a incapacidade em atender
sua missão. Repassou para a iniciativa privada o controle do saneamento,
através de parceria público e privada pouco transparente, e sem a necessária
discussão com os interessados, a sociedade. Além disso, mente descaradamente, com um
racionamento draconiano na região metropolitana, resultando num rodizio anunciado
de 20 horas (com água) x 28 horas (sem água), mas que chega a 72 e até 120
horas sem uma gota sequer nas torneiras. Isto é gestão eficiente? Sem contar
com a tragédia que assola a região do semi-árido, agreste e zona da mata, sem
obras estruturadoras que garanta a convivência com a seca na região.
Já com relação à distribuição de energia elétrica, a privatização deste serviço
em 2000, só trouxe mazelas à população. Enganada pelo discurso oficial que
falava na melhoria dos serviços e na diminuição da tarifa para justificar a
venda da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe). Hoje a realidade é bem
diferente. Se paga uma tarifa altíssima, o que tem proporcionado à empresa,
lucros estratosféricos (basta ver os balancetes contábeis), e um serviço
conhecido como de “vagalume”. As
interrupções no fornecimento elétrico viraram rotina, não somente na capital,
mas como em todo o interior. Enquanto os indicadores de qualidade da empresa,
comparada a outras 31 classificadas no ranking da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), mergulharam do 4º lugar em 2011 para 16º lugar em 2012.
Qualidade dos serviços cai, e lucros sobem. Receita ingrata para os
consumidores pernambucanos.
Contudo, foi uma
instituição oficial quem revelou recentemente as razões para tamanho descaso
com o fornecimento de energia. O relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE),
analisando as contas da gestão do governador, relativas ao ano base de 2011,
detectou a ineficiência e o sucateamento da Agência de Regulação de Pernambuco
(Arpe), autarquia especial vinculada ao
Gabinete do Governador, órgão
com atribuição estratégica.
Principal constatação: a
falta de pessoal para monitorar e fiscalizar os serviços prestados pela Celpe. Desde
2001, o TCE recomenda ao executivo estadual a contratação de servidores por
meio de concursos públicos, já que a grande maioria do quadro funcional da Arpe
é de comissionados. Sem estrutura e suporte de pessoal para realizar as
fiscalizações permanentes, a população fica a mercê dos serviços precários que
são oferecidos.
Os problemas
encontrados no Estado não se resume a área de educação, saúde, abastecimento de
água e energia. Todavia, os marqueteiros, pagos a peso de ouro, mostram o irreal.
Um Pernambuco que não existe, um verdadeiro “oásis” no território nacional. Uma
“ilha da fantasia”, cercada por feitos de um governo aplaudido pela população.
A intenção é colar na figura do governador o gestor moderno, o “novo”, a “renovação”
na politica brasileira, e assim atender sua ambição e obstinação pelo poder.
Um dos focos
propagandeado é a implantação do Complexo Industrial Portuário de Suape. Claramente
se percebe ai, politicas públicas dirigidas para um crescimento econômico a
qualquer custo. Facilmente
constatado nas constantes violações de direitos sociais e ambientais praticadas
nesta obra faraônica, de grande concentração de investimentos, e de renúncia
fiscal.
As denúncias dos moradores nativos do entorno
de Suape (agricultores, pescadores, outros), que já atingiu 15 mil famílias,
mostram a situação de barbárie em que se encontra a região, onde o poder
público não somente se exime de suas responsabilidades, mas é quem pratica o
desrespeito às leis. O próprio artigo 225 da Constituição de 1988 tem sido
desprezado, segundo o qual todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, cabendo a todos e a poder
publico o dever de preservá-lo e defendê-lo para as presentes e futuras gerações.
“Como não há uma só
obra que o governador não tenha controle no seu computador”, conforme difundido
pelos seus auxiliares diretos, a ele deve ser imputado toda responsabilidade,
não somente dos crimes ambientais cometidos na região, mas também o não
cumprimento da lei com relação aos processos de “desapropriação”. Não se respeita
nem a Constituição Estadual e nem o Marco de Reassentamento Involuntário-MRI do
Projeto Pernambuco Rural Sustentável-PRS (disponível em http://www.prorural.pe.gov.br/arquivos/marco_reassentamento.pdf),
cujo objetivo é o tratamento das questões que envolvem a mudança ou perda
involuntária do local de moradia, a perda de renda ou meios de subsistência, em
decorrência da implementação de projetos.
Do ponto de vista do ideário deste jovem
moço, mas velho e carcomido pela prática da velha politica expressa no
neocoronelismo e no nepotismo, valores como os da ecologia e sustentabilidade,
democracia e transparência, direitos humanos e justiça, não são praticados em
seu governo. São desrespeitados e ignorados na implantação do modelo predador e
excludente, chamado e propagandeado como de “desenvolvimento sustentável”.
Mesmo com uma alta popularidade
medida pelos institutos de pesquisa de opinião, se pode afirmar que a imagem do
governador foi construída pela propaganda exacerbada, na tentativa de criar uma
unanimidade em torno do seu governo. A cooptação dos poderes constituídos,
aliado a vocação adesista da grande mídia, tecendo loas diárias ao governo, e
se tornando na prática uma extensão do diário oficial, são outros elementos da
estratégia montada, e até então bem sucedida, pelos marqueteiros do governador.
Também não esqueçamos aqueles que aderem pelo medo. Todavia, não se pode
esperar que um governo mantenha sua popularidade em alta, somente as custas de
noticias produzidas, e pela propaganda.
A expectativa da população para a agenda
politica e administrativa de um bom governo é que a administração combine
eficiência dos serviços públicos, planejamento estratégico e equilíbrio nas
relações políticas que envolvem os interesses do Estado. E que tenha
sensibilidade social para diminuir o tremendo fosso da desigualdade social
reinante em Pernambuco. Verifica-se que
estes ingredientes não fazem parte do exercício do governo estadual, pelos
inúmeros problemas apontados, e por estar mais afinado com o empresariado do
que com os trabalhador@s, com aqueles mais carentes..
No campo do equilíbrio político, seria
fundamental que o relacionamento do Executivo com o Legislativo tivesse contornos
precisos. A articulação política deveria ter como norte o respeito à autonomia
da Assembleia Legislativa (Alepe), e o estabelecimento de uma pauta, focada nas
prioridades da população. A propósito, esse deveria ser o melhor remédio para
combater o pragmatismo político e os interesses patrimonialistas tão evidentes
na Casa de Joaquim Nabuco. Infelizmente isto não acontece na relação
executivo-legislativo. A subserviência, desta casa de leis, é tamanha que o
executivo patrocinou a mudança na Constituição do Estado para que deputados,
apaniguados do governador, pudessem por três vezes seguidas ficar a frente da
mesa diretora da Alepe. Caberia ao Executivo à implementação de um programa de
governo, ao Legislativo caberia o debate plural, visto que este é composto de
representações partidárias que expressam variados programas e ideologias.
Esperar-se-ia que um bom
chefe do Executivo demonstrasse sua capacidade de atender aos anseios da
coletividade. Já um bom Parlamento seria aquele capaz de elaborar boas leis, propor
projetos, aperfeiçoar aqueles originários do Executivo e fazer um eficiente
controle externo, a fiscalização.
Todo mundo concorda
que não faz bem à democracia e à saúde política do Estado a existência de relações
promíscuas entre o Executivo e Assembleia Legislativa. A sociedade cobra dos
seus representantes posturas éticas e altivas. As críticas do Parlamento em
sintonia com o interesse público merecem respeito. O que não cabe numa relação
republicana é a transformação da crítica em instrumento de defesa de interesses
particulares ou de grupos. Lamentavelmente é o que ocorre em Pernambuco.
A construção de uma
base de sustentação política do governo no Legislativo não poderia estar
dissociada do interesse público. O Estado só tem a ganhar quando Executivo e
Legislativo se respeitam, e ambos respeitam a população. Mas, infelizmente a
base politica de sustentação do atual governador foi conseguida através da
“velha” e odiosa prática do dando que se recebe, com o oferecimento de cargos pagos
com recursos públicos, da troca de favores nem sempre republicanos.
Nunca se viu na história de Pernambuco um parlamento tão
subserviente e inoperante, que se restringe a renovar “ad infinitum” o mandato
dos seus dirigentes, apoiar tudo que vem do executivo (não legisla), e conceder
cidadania pernambucana a tod@s. Não que muit@s não mereçam, mas este “trabalho”
é insuficiente para justificar o salário dos nobres deputad@s.
O fato é que hoje Pernambuco se ressente da presença
de uma oposição com credibilidade (com raras exceções), atenta, sistemática e
incisiva, para acusar erros, criticar e apontar desvios. Vive-se no dilema
bairrista. E se o governador for candidato? Serei contra a alguém da minha
terra?
Faça-se justiça aos movimentos sociais.
Questionadores, críticos, propositivos, tem sua participação democrática nos
destino do Estado dificultada pelo nível de “captura” dos poderes constituídos.
Oposição é um ingrediente crucial para o pleno exercício da democracia, e sem
algum tipo de contraditório, a própria razão fica ameaçada. Discordar e apontar
erros não é torcer contra. Somente governos autoritários fazem este tipo de interpretação.
Estabelecido o estrito controle
da política estadual - incluindo a prefeitura recifense - o resto do mandato do
governador será dedicado a promessas, as ações de marketing, e sua constante ausência
do Estado para a campanha eleitoral. Pouco importa o que ficará de herança econômica,
administrativa, política e social para os pernambucanos. O que conta é o uso de
toda a administração pública em favor de um projeto político dúbio, ambíguo,
flexível, que ora se diz aliado da Presidente da República, ora procura
alianças em todo espectro ideológico para construção de um palanque próprio. O
que se configura é que até 2014 vamos assistir a essa ”dança de rato”, à custa
da angústia, do sofrimento, das aflições e das imensas carências do povo
pernambucano.
O que impressiona é a ganância do
governador Campos em ser presidente,
sem ao menos fazer a tarefa de casa que seria cuidar bem do seu Estado.
Problemas de toda natureza estão presentes: um transporte público de péssima
qualidade, reprovação na educação, falta de condições aos professores,
hospitais públicos na UTI, saneamento básico precário, problemas de
abastecimento de água e energia, carência de habitação popular, violência
principalmente com a falta de cuidados com os jovens e adolescentes, mobilidade
urbana chegando a nível caótico, estradas mal cuidadas, etc, etc.
Ao escrever, e refletir sobre o ”modo
socialista de governar: o caso de Pernambuco” foi analisado a situação presente
de Pernambuco com relação às diversas politicas públicas. Nestes três artigos
procurei apontar as mazelas, pois as poucas ações pontuais exitosas, o governo trombeteia
aos quatro cantos. Também a intenção foi denunciar o que está sendo orquestrado
nos “laboratórios dos marqueteiros”.
Minha convicção que a “criatura
criada”, não é boa, nem para Pernambuco e muito menos para o Brasil. E aqui
fica um alerta para não iludirmos com os salvadores da pátria.
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